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MPT entra com ação para que Uber, 99, Rappi e Lalamove estabeleçam vínculos trabalhistas com motoristas e entregadores

Caso o pedido seja aceito, uma série de direitos trabalhistas, securitários e previdenciários serão garantidos, além de melhoria das condições de saúde e segurança

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Katarina Moraes

Publicado em 09/11/2021 às 8:41 | Atualizado em 09/11/2021 às 21:47
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Atualizada às 21h47

O Ministério Público do Trabalho em São Paulo (MPT-SP) entrou com uma ação nessa segunda-feira (8) contra Uber, 99, Rappi e Lalamove solicitando que a Justiça reconheça que há um vínculo de emprego com os motoristas e entregadores. Caso o pedido seja aceito, uma série de direitos trabalhistas, securitários e previdenciários serão garantidos, além de melhoria das condições de saúde e segurança.

No total, há 625 procedimentos e oito ações civis públicas circulando no país desde que o MPT constatou irregularidades nas relações de trabalho estabelecidas em 14 empresas de aplicativos: Uber (230), iFood (94), Rappi (93), 99 Tecnologia (79), Loggi (50 procedimentos), Cabify (24), Parafuzo (14), Shippify (12), Wappa (9), Lalamove (6), Ixia (4), Projeto A TI (4), Delivery (4) e Levoo (2).

O procurador-geral do Trabalho, José de Lima Ramos Pereira, defendeu que o mundo do trabalho é dinâmico, como toda a sociedade, e precisa se adaptar, mas que esta adaptação não deve significar "precarização do direito do trabalhador". "É preciso que o Estado elabore regras específicas para esse tipo de trabalho e que os direitos garantidos na Constituição de 1988 cheguem aos trabalhadores”, explicou Lima. Para ele, há uma relação de trabalho, não convencional, com vínculo empregatício, na maioria dos casos. A Justiça do Trabalho, então, seria responsável por assegurar o cumprimento da legislação trabalhista.

O problema ainda foi acentuado na pandemia. O MPT confirmou que as empresas de aplicativos não forneceram, de forma suficiente, insumos para higienização das mãos e máscaras de proteção ou apoio financeiro para permitir o isolamento de trabalhadores infectados ou do grupo do risco.

O titular da Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho (Conafret), Tadeu Henrique Lopes da Cunha, disse que o comportamento das plataformas digitais frente ao Poder Judiciário tem tido a intenção de dificultar o revolvimento da matéria pelo Poder Judiciário, construindo um posicionamento a seu favor, propondo acordos manipulatórios da jurisprudência (que é o conjunto de decisões e entendimentos dos tribunais a respeito de um tema).

“As empresas enaltecem a existência de decisões judiciais de não reconhecimento do vínculo de emprego, mencionando, inclusive, que muitas decisões judiciais lhes seriam favoráveis. Ocorre que o posicionamento jurisprudencial citado pelas empresas não é casual ou resultado da ausência de compreensão da Justiça sobre a metodologia de trabalho em questão”, explica Cunha. O procurador do Trabalho revela que o número de decisões favoráveis às empresas de plataformas digitais tende a ser maior do que o número de decisões desfavoráveis, porque elas vêm formalizando acordos judiciais que impedem o revolvimento da matéria pelas instâncias judiciais trabalhistas, colocando obstáculos à formação de decisões contrárias.

Os pedidos do Ministério Público do Trabalho:

  1. Que haja declaração da relação jurídica de emprego entre as empresas de aplicativo de transporte de passageiros e de mercadorias e seus motoristas, que prestam serviços de transporte de passageiros e mercadorias através de seu aplicativo;
  2. A condenação das empresas para registrar imediatamente seus motoristas, independentemente de local de residência e da inscrição como microempreendedor individual (MEI), em carteira de trabalho, sob pena de multa de R$ 10 mil por trabalhador encontrado em situação irregular, a cada constatação;
  3. A condenação das empresas para se abster de contratar ou manter motoristas, contratados como autônomos ou microempreendedores individuais, por meio de contratos de prestação de serviço, de parceria ou qualquer outra forma de contratação civil ou comercial, quando presentes os requisitos da relação de emprego, sob pena de multa de R$ 10 mil, por cada trabalhador encontrado em situação irregular, a cada constatação;
  4. A condenação das empresas a pagar indenização, a título de reparação pelos danos causados por suas condutas ilegais aos direitos difusos e coletivos dos trabalhadores coletivamente considerados, por dumping social e lesão ao erário, de valor não inferior a 1% do faturamento bruto do último exercício anterior ao ajuizamento da ação. Todos os valores deverão ser revertidos ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

Um pedido do Sindicato dos Mensageiros Motociclistas, Ciclistas e Mototaxista Intermunicipal do Estado de São Paulo (SindimotoSP) é pelo controle da jornada de trabalho para motoboys. “Se o motoboy ficar 20 horas na rua, irá morrer, pois o trânsito é o nosso meio ambiente de trabalho”. A reflexão é de Gilberto Almeida dos Santos, o Gil, presidente do SindimotoSP, de 42 anos.

Ele está há bastante tempo na rua, como clandestino e como trabalhador com vínculo empregatício. Tem 25 anos de rua e está no sindicato desde 2008. Para ele, os direitos dos mototaxistas são os direitos básicos de qualquer trabalhador: direito de acesso à previdência social, férias, 13º salário, adicional de periculosidade e controle rígido da jornada de trabalho. “Semelhante a todas as categorias de trabalhadores.

Resposta da Uber

A Uber esclarece que não teve acesso à ação mencionada e que não recebeu nenhuma notificação do Poder Judiciário antes de ser procurada pela imprensa. Assim que a Uber for notificada da instauração do processo judicial, apresentará todos os elementos necessários para demonstrar que as alegações e pedidos do Ministério Público do Trabalho são baseados em entendimento equivocado sobre o modelo de funcionamento da empresa e da atividade dos motoristas parceiros.

Os motoristas parceiros não são empregados e nem prestam serviço à Uber: eles são profissionais independentes que contratam a tecnologia de intermediação digital oferecida pela empresa por meio do aplicativo. Os motoristas escolhem livremente os dias e horários de uso do aplicativo, se aceitam ou não viagens e, mesmo depois disso, ainda existe a possibilidade de cancelamento. Não existem metas a serem cumpridas, não se exige número mínimo de viagens, não existe chefe para supervisionar o serviço, não há obrigação de exclusividade na contratação da empresa e não existe determinação de cumprimento de jornada mínima.

Nos últimos anos, as diversas instâncias da Justiça do Trabalho vêm construindo sólida jurisprudência confirmando o fato de não haver relação de emprego entre a Uber e os motoristas parceiros, apontando a inexistência de onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação, requisitos que configurariam o vínculo empregatício. Em todo o país, já são mais de 1.450 decisões de Tribunais Regionais e Varas do Trabalho neste sentido, sendo que não há nenhuma decisão consolidada que determine o registro de motorista parceiro como empregado da Uber.

Em relação à atuação da Uber nos tribunais, a afirmação do MPT de que existe "manipulação da jurisprudência" não se sustenta quando confrontada com a realidade. Do total de ações contra a Uber finalizadas até 2020, cerca de 10% resultaram em acordos, índice que representa menos da metade da média em toda a Justiça do Trabalho no mesmo ano - 23% - segundo o relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça.

O Tribunal Superior do Trabalho, mais alta corte trabalhista do país, já reconheceu, em quatro julgamentos, que não existe vínculo de emprego entre a Uber e os parceiros. No mais recente, a 5ª Turma afastou a hipótese de subordinação na relação do motorista com a empresa uma vez que ele pode "ligar e desligar o aplicativo na hora que bem quisesse" e "se colocar à disposição, ao mesmo tempo, para quantos aplicativos de viagem desejasse".

Em março, a 4ª Turma decidiu de forma unânime que o uso do aplicativo não configura vínculo pois existe "autonomia ampla do motorista para escolher dia, horário e forma de trabalhar, podendo desligar o aplicativo a qualquer momento e pelo tempo que entender necessário, sem nenhuma vinculação a metas determinadas pela Uber".

Entendimento semelhante já foi adotado em outros dois julgamentos do TST em 2020, em fevereiro e em setembro, e também pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamentos desde 2019 - o mais recente foi publicado em setembro.

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