A pandemia bateu na porta de todos os países do mundo. Do mesmo modo, a crise energética provocada pela alta do petróleo no mercado internacional, a maior dos últimos três anos, trouxe consequências, como o aumento da inflação - a alta generalizada dos preços - para a maioria das nações. No entanto, o Brasil está com uma inflação maior do que a média registrada pelos demais e também com um desempenho econômico muito mais tímido do que uma parte do mundo que se recupera da grande crise econômica provocada pela pandemia do Coronavírus. Nesta semana, o Brasil entrou numa recessão técnica, o que significa que houve queda na produção da economia por dois trimestres consecutivos, o que ocorreu no terceiro e segundo trimestres deste ano quando o Produto Interno Bruto (PIB) ficou, respectivamente em -0,1% e -0,4%. Pelo menos três economistas entrevistados pelo JC atribuem uma parte do mau desempenho da economia a um fator: o custo do presidente Jair Bolsonaro (PL).
Somente comparando a média de crescimento dos 38 países que fazem a OCDE foram de 1,7% e 0,9% no segundo e terceiro trimestres deste ano. Já com relação à inflação, a média dos países que fazem parte do grupo ficou em 5,2% nos últimos 12 meses que acabaram em outubro, sendo a maior em duas décadas. Esta inflação foi puxada também pela crise energética que inclui a alta no preço do carvão - muito usado na China - e pelo preço do barril de petróleo, fixado pelos grandes produtores estrangeiros deste mineral, e que provocou a inflação em grande parte do mundo. No entanto, a prévia da inflação brasileira (o IPCA-15) chegou a 10,73% nos últimos 12 meses até novembro. Isso é o dobro do previsto para a média dos países da OCDE que inclui nações latinas como o Chile, a Colômbia e a Costa Rica.
No Brasil, a incerteza política passou a ser um componente que faz aumentar a inflação e diminuir as chances de crescimento econômico, segundo três economistas consultados pelo JC. A economia vive de expectativas. E quando elas são negativas, resultam em recuos ou aumentos menores do Produto Interno Bruto (PIB) que, de uma forma grosseira, mede tudo que é produzido no País. A incerteza política é um dos itens que compõem o custo Bolsonaro. Um dos fatores que está contribuindo para a alta da inflação brasileira é a valorização da moeda norte-americana, o dólar. Se você pensa que isso não lhe afeta, porque não vai viajar para o exterior, está redondamente enganado. Grande parte dos bens consumidos no Brasil tem algum componente que vem de fora, o que significa que este item ou o produto inteiro ficaram mais caros.
"O dólar repassa muita inflação, porque dependemos muito de importados. O dólar está caro por um problema interno, que é a insegurança gerada pelo governo Bolsonaro", explica o economista e ex-secretário da Fazenda no governo de Jarbas Vasconcelos (MDB), Jorge Jatobá. Para ele, o dólar deveria estar valendo, no máximo, R$ 4,00 porque o País tem um saldo bom de reservas. Geralmente, o dólar sobe quando as reservas de um País estão em baixa, o que não é o caso do Brasil atualmente.
A alta da inflação faz as pessoas perderem poder de compra, afetando muito mais as classes menos favorecidas. Nos últimos meses, várias foram as vezes que o dólar subiu de cotação em reais depois de Bolsonaro se tornar o pivô de crises institucionais que envolviam o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal (STF), entre outras situações. "A crise política gera uma instabilidade econômica. E aí as empresas, os fundos de investimentos não vão querer investir num clima tão instável. Tudo no Brasil se transforma numa crise política atualmente. Acredito que o atual presidente não sabe ser político", resume o economista, consultor de gestão e professor da Unit Werson Kaval. Ele defende que o ser político resolve os conflitos na base do diálogo. E complementa: "O presidente é irresponsável no que fala. Quando ele fala algo que gera temor, os investidores direcionam os seus projetos (de investimentos) para outros países que não apresentam aquele risco".
A alta do dólar também deixou mais caro os combustíveis brasileiros, já que o Brasil importa uma parte dos combustíveis usados por todos os brasileiros. Isso significa que além do produto ser comprado por um preço maior, por causa da alta no preço do barril, também fica mais caro porque são necessários mais reais para pagar o que se compra em dólar.
Outros fatores que não dependem do governo e também contribuíram para a alta da inflação do Brasil foram o aumento no preço dos alimentos - que também ocorreu em todo o mundo - e a alta no preço da energia elétrica que ocorreu por causa da crise hídrica no Brasil. Como consequência disso, o governo brasileiro mandou mais térmicas produzirem energia, o que também já aconteceu em governos anteriores, como o de Dilma Rousseff (PT), quando houve diminuição no volume dos reservatórios das hidrelétricas do Sudeste do País, como acontece atualmente. No entanto, agora isso impactou mais no custo de vida dos brasileiros porque os combustíveis - como o diesel - estão mais caros. O diesel e o gás natural são dois dos principais combustíveis usados pelas térmicas.
OUTROS CUSTOS
Ainda de acordo com os economistas há outros custos que o atual presidente da República traz à economia. Um relatório divulgado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômicos (OCDE) nesta quinta-feira (02) reduziu as expectativas de crescimento do Brasil para 2021 e 2022, alegando que os "gargalos de oferta, menor poder de compra, taxas de juros mais altas e incerteza política desaceleram o ritmo de recuperação" do País. O mesmo documento ainda revela que no Brasil: "a incerteza política prolongada e o aumento do risco fiscal podem minar a credibilidade das regras fiscais, desancorar as expectativas de inflação e reduzir o crescimento do investimento".
Ainda no mesmo relatório, a OCDE fez projeções de que a economia do Brasil deve crescer menos em 2022, ficando em 1,4%, sendo menor do que as previsões para Argentina (2,5%), Chile (2%) , Colômbia (5,5%), Costa Rica (3,9%) e México (3,3%). A OCDE reduziu a expectativa de crescimento para vários países, sinalizando que a economia do mundo inteiro está desacelerando. A previsão anterior da própria OCDE era de um acréscimo de 2,3% para a economia brasileira em 2022. Com a atual previsão, a economia do Brasil ocupa o menor crescimento no grupo do G-20. O atual percentual ainda é considerado otimista, pois no boletim Focus - do Banco Central -, a expectativa é de que o aumento do PIB brasileiro fique em torno de 0,5% em 2022.
O custo Bolsonaro, segundo Jorge Jatobá, também se reflete em outros fatores como a perda de credibilidade na área de relações exteriores e de meio ambiente por causa de, entre outras coisas, o tratamento dado aos incêndios na Amazônia, desmatamento etc.
Outro custo da atual gestão foi a não aprovação das reformas que poderiam deixar o Brasil mais competitivo. "O País não avançou nas reformas, como a tributária e a administrativa. Primeiro, Bolsonaro hostilizou o congresso. Depois, ficou refém do centrão. Só estão saindo as reformas que o centrão quer e não as necessárias ao País", comenta Jatobá. A aprovação da reforma tributária poderia simplificar o ambiente de negócios do País com um sistema de arrecadação unificado e mais simples.
"O risco fiscal também está elevado em função da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) dos precatórios. A questão fiscal gera uma expectativa muito negativa para o crescimento futuro, porque sinaliza que pode ter um descontrole da inflação junto com o aumento dos gastos públicos", comenta Jatobá. A PEC dos precatórios adia o pagamento dos precatórios - decisões judiciais que o governo deveria pagar - e revisa o teto dos gastos, que atualmente limita o crescimento das despesas do governo à inflação; e propõe um gasto extra de R$ 106 bilhões para 2022, incluindo o pagamento do Auxílio Brasil de R$ 400 em ano eleitoral. A PEC foi aprovada pelo Senado esta semana, mas trechos do texto devem voltar a ser apreciados pela Câmara dos Deputados.
Como já foi dito acima, o economista Sérgio Buarque lembra que o alto custo do barril de petróleo e a crise hídrica não tem qualquer relação com o governo Bolsonaro. Ele cita que há um custo Bolsonaro de imediato - como a alta do dólar também já citada - e outros que só serão percebidos no médio e longo prazos. Ele argumenta que um desses custos é sacrificar o acordo Mercosul-União Europeia que poderia ter um impacto econômico positivo não só no Brasil, mas em outros países.
Buarque afirma que a atual gestão "cortou recursos nas áreas de educação, inovação e pesquisa. Isso vai impedir que uma parte da população apresente um nível de proficiência mais elevado. Os resultados só vão aparecer nos próximos anos. Serão custos que o atual presidente vai deixar como uma herança maldita para os próximos anos". No começo desta semana, pelo menos 52 coordenadores da Capes pediram demissão. A entidade é responsável pela avaliação dos cursos de pós-graduação no País. Também no mês passado, 37 servidores do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) pediram demissão quase às vésperas da realização do exame do Enem preparado pelo órgão.
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