Quase dois anos após o início da pandemia da covid-19, as farmácias voltam a registrar uma corrida em busca de medicamentos específicos. "O trabalho com a covid-19 foi e está sendo mais fácil do que agora com essa gripe", diz o presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Produtos Farmacêuticos do Estado de Pernambuco (Sincofarma-PE), Ozeas Gomes.
Os casos da gripe H3N2 multiplicam-se e fazem os antigripais e suplementares, como a vitamina C, sumirem rapidamente das prateleiras. Pequenas farmácias sofrem mais com o período elástico para reposição dos estoques e já registram a falta de medicamentos como o Oseltamivir, comercializado sob a marca Tamiflu. A demanda como um todo subiu 50% e, por ora, a previsão é de que o fornecimento feito a partir da região Sudeste, por via terrestre, demore a se normalizar.
Há redes de farmácias no Recife que não possuem mais a medicação, que custa, em média, R$ 300. Uma pessoa que não quis se identificar à reportagem disse que procurou o Tamiflu nos estabelecimentos na última semana de 2021, mas só o encontrou em um local que estava vendendo acima do valor recomendado. "Na semana passada, a partir da segunda-feira, eu apresentei sintomas gripais. Eu fui a duas urgências, em uma delas o médico passou o Tamiflu. Eu fiz o teste na hora e deu negativo para covid-19 e Influenza A e B, mas eu apresentava todos os sintomas gripais", relata.
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Segundo Valéria Gomes de Castro, representante da drogaria Quatro Cantos, no bairro das Graças, as vendas da medição aumentaram em 1000% em relação ao mesmo período do ano anterior. "Existe um medicamento pontual que se chama Tamiflu, que havia passado o período de janeiro a dezembro de 2021 sem procura nenhuma. Se eu tivesse 1000 caixas, eu venderia todas hoje, porque Recife está sem estoque da medicação. Ele tem uma procura muito grande, porque ele tem um papel importante para gestantes, idosos e pessoas com doenças que precisam de um cuidado mais específico no desenvolvimento da parte gripal", explica Valéria.
Se eu tivesse 1000 caixas de Tamiflu, eu venderia todas hoje, porque Recife está sem estoque da medicaçãoValéria Castro, representante da drogaria Quatro Cantos
Ela comenta que o período começou a ficar crítico a partir de meados de dezembro, quando houve aumento no número de festas e comemorações. Na drogaria, um remédio que sumiu das prateleiras foi o multigrip, um dos medicamentos mais baratos no tratamento de sintomas respiratórios. "Ele é muito vendido em bairros populares, por ter um preço acessível em relação aos outros antigripais - sendo tão bom quanto. Neste momento, não temos mais multigrip nas prateleiras na sua versão de envelope com quatro comprimidos", relata Valéria.
Em outra farmácia, na Drogaria Madalena, no bairro de mesmo nome, a procura se acentuou também após a subida de casos de SARS. A atendente Edilza Alves conta que após a baixa de casos de covid-19, houve um aumento repentino de clientes à procura de medicamentos específicos para a gripe no fim de 2021. "De repente, todo mundo começou a ficar gripado e chegava na farmácia pedindo um antigripal, como multigrip, benegrip e coristina D. Após essa fase, começou uma grande procura pelo tamiflu. Se tivesse, desaparecia. Não tem na distribuidora, nem mesmo o genérico", pontua, enfatizando que houve um aumento na busca de antigripais entre 50% e 60% no último mês.
O pedido de medicamentos e suplementações mais simples, como a vitamina C, tem elevado também - já que algumas pessoas precisam ter a imunidade reforçada em decorrência de algumas doenças. Como é o caso de dona Maria José. "Nessa época de gripe a gente tem que se prevenir e cuidar das outras pessoas. A partir do momento que a gente se cuida, a gente cuida dos outros. Eu tenho um problema no trigêmeo, que causa dores muito fortes quando tenho qualquer resfriado", afirma.
Antibióticos desaparecem
Não apenas o tamiflu, como também alguns antibióticos têm sumido das prateleiras. Utilizados em tratamentos contra infecções mais avançadas, alguns rótulos podem não ser encontrados em farmácias da cidade. "Os antibióticos tiveram um aumento de 40% e 50%. Eles estão saindo muito, principalmente a amoxicilina e o clavulanato, tanto em líquido quanto em comprimidos. Eles sumiram um pouco da prateleira, mesmo com a necessidade de receita médica", conta Edilza Alves.
Na drogaria Quatro Cantos, o cenário é o mesmo. A explicação de Valéria Castro é de que as crianças foram as primeiras afetadas, tendo em vista que há medicações próprias para o público infantil "Nessa fase da virose, a gente percebeu que as crianças foram as primeiras mais afetadas. Os antibióticos sumiram, porque geralmente a medicação é em líquido. Realmente, o mercado para alguns antibióticos está zerado", frisa.
Demanda inesperada pelo segmento
O problema, de acordo com o presidente do Sincofarma-PE, é que o segmento foi pego de “calças curtas”. “O que tem acontecido é que a demanda aumentou consideravelmente. Junto a isso, tem outra questão que é o período de férias coletivas em muitos laboratórios. Então, quem tinha estoque razoável está atendendo a clientela, que não tinha, de fato está enfrentando mais dificuldade. A verdade é que essa procura pegou o setor de calça curta. Ninguém se preparou para uma demanda tão grande”, explica Gomes.
De acordo com ele, pelo tamanho do estoque, o natural é que as grandes redes levem uma certa vantagem nesse momento de demanda aquecida, mas, na prática, nem elas estão conseguindo passar ilesas ao movimento.
Logística
A reportagem deste JC entrou em contato com grandes redes varejistas que atuam no Recife, a exemplo da Pague Menos e Raia Drogasil. Única a responder, a Drogasil não detalhou em números o suprimento de medicamentos procurados para gripe, mas admitiu, em nota, que tem se esforçado para repor os estoques nas unidades que mantém em Pernambuco.
“Desde o início de dezembro, a demanda por produtos de combate aos sintomas de gripe cresceu muito, em todo o País. A rede está atuando na reposição dos estoques para o abastecimento de suas lojas para os próximos dias”, adianta.
Para o Sincofarma, a velocidade da reposição dos estoques não está apenas vinculada à demanda. A velocidade maior de venda fica mais descompassada ao ritmo de reposição pela logística rodoviária encarada pelo setor em Pernambuco.
“Vem tudo do Sul e Sudeste. Além da já dita questão das férias coletivas, temos ainda a crise das chuvas na Bahia. Esses produtos circulam por via terrestre. Quando voltarem dessas férias, teremos outro problema que é agilizar essa chegada. Vai ser preciso avaliar se vai ser usado avião, se vai atrasar tudo pelo terrestre”, preocupa-se o presidente do sindicato.
Mesmo com a menor oferta e maior demanda, os proprietários de farmácias alertam que não há motivo para as pessoas correrem às farmácias em busca de medicamentos contra a gripe, tampouco levar grandes quantidades para fazer estoques pessoais. As farmácias, por mais que possam registrar a falta de alguns medicamentos, dizem se tratar de “problemas pontuais”.
Os preços também não sofrem grandes alterações, já que o reajuste de medicamentos só é feito no mês de março, segundo o sindicato. “O que pode haver é a falta das promoções para esse tipos de medicamentos”, alerta Ozeas Gomes.
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Se eu tivesse 1000 caixas de Tamiflu, eu venderia todas hoje, porque Recife está sem estoque da medicação
Valéria Castro, representante da drogaria Quatro Cantos
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