Eles estão a poucos metros do Palácio do Governo, da Prefeitura do Recife e do Palácio da Justiça. São invisíveis e "incômodos"; anônimos e velhos conhecidos; vulneráveis e "temidos". A fome no Recife mora no quintal dos Poderes.
Os barracos de lona preta dividem as calçadas com os prédios históricos em estilo neoclássico. Depois da pandemia, eles se multiplicaram e foram chegando cada vez mais perto de onde estão os gabinetes do governador, do prefeito do Recife e dos desembargadores. Não fazem qualquer reivindicação mas constrangem, porque lembram ao Poder Público que mais da metade da população de Pernambuco vive na pobreza.
O Mapa da Nova Pobreza, divulgado pelo Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV Social) mostra que Pernambuco foi o estado onde a pobreza mais aumentou entre 2019 e 2021, com alta de 8,14%. No ranking nacional está em quarto lugar, com 50,32% das pessoas vivendo com uma renda de R$ 497 por mês, atrás apenas de Maranhão (57,90%), Amazonas (51,42%) e Alagoas (50,36%).
Em ano de eleições, o avanço da pobreza obriga o tema da fome a entrar na agenda dos candidatos. São vários os indicadores que apontam para o empobrecimento e o aumento da insegurança alimentar no País. No ano passado, inclusive, o Brasil voltou ao Mapa da Fome da ONU depois de ter saído dessa condição em 2014.
Quem vive na vizinhança dos Poderes, espera que o pesadelo da vida nas ruas se transforme no sonho de uma casa ao lado da família. É o que deseja Luís Carlos, 51 anos, que descobriu recentemente o que é morar sob um teto de lona.
Com as fortes chuvas em Pernambuco neste inverno, ele perdeu tudo o que tinha, inclusive a casa em Olinda, e foi parar em um dos dez barracos improvisados próximo ao Teatro Santa Isabel e do Palácio do Campo das Princesas. Veio sozinho para o "centro nervoso do Recife", na tentar conseguir enviar algum dinheiro para a família, abrigada na casa de parentes.
"O que e vejo aqui na rua só Deus sabe. Eu não durmo direito. Não quero viver essa vida. Isso não é vida pra mim. Eu penso na minha família e fico me perguntando: - O que é que eu estou fazendo aqui?", diz chorando e incrédulo com a situação. O dinheiro que consegue catando latinhas pede à esposa que venha buscar para comprar comida para o filho.
Luís também se queixa da dificuldade para conseguir emprego. "As pessoas pensam que porque a gente é assim (vive na rua) não tem disposição para trabalhar. Eu sei trabalhar com construção civil e outros serviços pesados. Só preciso de uma oportunidade", afirma.
Há cinco meses vivendo às margens do Rio Capibaribe, quase em frente à Secretaria Estadual da Fazenda, Josineide da Silva fala da sensação de saber que incomoda por estar na rua, mas ao mesmo tempo de ser invisível aos olhos do Poder Público.
"É como se a gente não existisse para eles (os governantes). Fingem que não nos vê. Se fazem de cegos. Não falam com a gente. São eles lá e a gente cá", lamenta Josineide. Já Francisco Ferreira se queixa do preconceito sofrido pelos moradores de rua. Em situação de vulnerabilidade social, muitas vezes são "temidos" por sua condição.
"Tem gente que muda o caminho e atravessa a rua quando nos vê ou segura a bolsa. Não é só porque a gente está na rua que é ladrão. Eu queria conseguir um emprego para ter um cantinho e seguir meu destino", deseja.
Quem está na rua vive à base do improviso. A água da chuva ou de um cano estourado serve para o banho. Os grupos de apoio aos moradores cumprem um papel importante de oferecer refeições e produto de higiene.
Pobreza e renda
Pernambuco se destaca no indicador de pobreza por ser um Estado com alta taxa de informalidade no trabalho. A pandemia da covid-19 fechou a economia e deixou sem renda uma legião de trabalhadores. O pesquisador da FGV Social, Marcelo Neri, explica que a deterioração do mercado de trabalho contribuiu para o aumento da pobreza em Pernambuco.
"No final de 2014, a renda per capita domiciliar do trabalho no Estado era de R$ 880 por pernambucano. Mas isso caiu muito na recessão (2015-2016), chegando a R$ 707 e se agravou na pandemia. O trabalhador perdeu cerca de R$ 180, o que é bastante, já antes da pandemia”, diz Neri.
Nos últimos dois anos o cenário piorou ainda mais. “O último dado, já de 2022, é de uma renda de R$ 583. Então, o trabalhador perdeu mais R$ 120. E não tem previsão de recuperação”, afirma o economista.
Os temas da fome, do desemprego e da renda precisam entrar não só na agenda dos candidatos, mas na construção de um planejamento que tire Pernambuco desse lugar vergonhoso de Estado em que a pobreza andou a galope.
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