Em Pernambuco nasce-se extremamente pobre. No Estado, uma a cada quatro crianças de 0 a 6 anos vivia com renda inferior a R$ 161,56 por mês em 2021. A pobreza passou a ser condição inerente ao desenvolvimento da pessoa humana, ou melhor, fator inibidor para que isso aconteça.
O dado revela uma das piores situações do País, sendo superado apenas pelo estado do Maranhão.
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No cenário dramático, crianças chegam ao mundo em famílias monoparentais, sem renda ou escolaridade e, em sua maioria, são negras. Há características que distinguem os locais onde está a pobreza. São essas as pessoas que, desde pequenas, já enfrentam todo tipo de dificuldade para não se desenvolverem e, consequentemente, não serem parte integrante do desenvolvimento do País.
Em todo o Brasil, o número de crianças em situação de pobreza é recorde. Em 2021, 44,7% das crianças viviam em situação de pobreza, e 12,7% em situação de extrema pobreza (contra taxas de 28,3% e 8,2% para população geral, respectivamente).
A pobreza entre as crianças é a maior na faixa de 0 a 6 anos de idade desde 2012, quando foi iniciada a série histórica da PUCRS Data Social, laboratório de estudos lançado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Apenas entre 2021 e 2020, a alta foi de 8,6 pontos percentuais, quando o índice havia caído para 36,1%, em função do pagamento do auxílio emergencial naquele ano.
Em 2019, antes da pandemia, a taxa de pobreza entre as crianças de até seis anos de idade era de 41,5%.
O estudo trabalha com as linhas de US$5,50 PPC (per capita) para pobreza e US$1,90 PPC para a extrema pobreza, assim como definidas pelo Banco Mundial. Em valores mensais de 2021, a linha de pobreza é de aproximadamente R$465 per capita e a linha de extrema pobreza é de aproximadamente R$160 per capita.
Crianças que vivem em domicílios com renda per capita abaixo desses valores estão em situação de pobreza e/ou de pobreza extrema.
Em Pernambuco, especificamente, está uma das piores situações do País. Em 2021, o Estado registrou uma em cada quatro crianças com renda per capita abaixo dos R$ 160.
No Estado, em 2019 haviam 137.385 criança na extrema pobreza. Em 2021, o número já saltou para 230.931.
Para 2021, o cenário de Pernambuco só é comparado aos do Maranhão (31%), Piauí (25%) e Bahia (25,1%), onde pelo menos 1 em cada quatros crianças estava em situação de extrema pobreza. Mesmo no cenário de pobreza, com exceção do Ceará, todos os estados do nordeste tinham mais de 60% das suas crianças classificadas como pobres.
A extrema pobreza atingiu 26,8% dessas crianças no Estado, avançando sobre os 19% registrados no ano de 2019.
Pernambuco conseguiu avançar dez pontos percentuais em apenas um ano o número de crianças em situação de pobreza no Estado. Em 2020, eram 57,8% das crianças nessa situação. No ano passado, chegou-se a 67,4%.
“A exposição à pobreza monetária e às demais privações a ela associadas, nessa faixa etária que é a mais importante para o desenvolvimento das habilidades cognitivas e não cognitivas de uma pessoa, é algo grave, que traz prejuízos irreversíveis, e que comprometem não só o potencial da pessoa e de seus descendentes, mas também o potencial de desenvolvimento econômico do País”, alerta a pesquisadora do PUCRS Data Social e da Escola de Negócios da PUCRS, Izete Bagolin.
E em meio a tanta pobreza, as crianças já sofrem mais que os adultos. Para se ter uma ideia comparativa, a taxa de pobreza da população brasileira como um todo era de 28,3% em 2021, e a taxa de extrema pobreza era de 8,2%.
Entre as crianças, as cifras encontradas foram de 44,7% e 12,7%, respectivamente. Essa diferença, segundo os pesquisadores, se deve ao fato de as crianças estarem mais concentradas na base da pirâmide social.
E não são quaisquer crianças que sofrem com a pobreza e extrema pobreza. O estudo revela que em todo o País, entre as crianças negras, por exemplo, a taxa de pobreza em 2021 era de 54,3%, e a taxa de pobreza extrema ficava em 16,3%.
Já entre as crianças brancas essas cifras eram de 32,4% e 8,2%, respectivamente. Em áreas rurais, 69,7% das crianças estavam em situação de pobreza, e 26,1% em pobreza extrema. No meio urbano, no entanto, eram 40,2% e 10,4%, respectivamente.
O professor Andre Salata, pesquisador do PUCRS Data Social e da Escola de Humanidades da PUCRS, afirma que 64,8% das crianças de zero até seis ano de idade vivem em domicílios que estão entre os 40% mais pobres do País, e somente 4,4% moram nos domicílios que compõem o estrato dos 10% mais ricos. Ou seja, as crianças estão "sobrerepresentadas" na base da pirâmide social, ou seja, a mais crianças entre os mais pobres.
Segundo Salata, a taxa de pobreza e extrema pobreza entre as crianças já vinha crescendo, mas a explicação para esta variação recente está no impacto da pandemia de covid-19 sobre a renda do trabalho e, também, na instabilidade das políticas de auxílios concedidos à população.
“No início de 2020 houve forte queda da renda do trabalho entre os mais pobres, e mesmo assim a taxa de pobreza infantil caiu para os menores valores da série histórica (36,1%). Isso se deve, em grande medida, ao Auxílio Emergencial, pois sem ele aquela taxa seria de aproximadamente 45,7% em 2020", aasegura.
Ele também alerta: "Ao mesmo tempo, a decisão de interromper o pagamento do Auxílio Emergencial no início de 2021, e sua posterior redução de valor e cobertura, fizeram a incidência da pobreza infantil dar um grande salto”.
O estudo também mostra que as crianças em situação de pobreza sofrem desvantagens em outras dimensões que não a monetária. Por exemplo, Entre as crianças cujas famílias estão acima da linha de pobreza, o adulto de referência tinha em média 11,9 anos de estudo.
Essa média cai para 8,8 entre as crianças cujas famílias estavam abaixo da linha de pobreza, e desce para 8,3 entre os extremamente pobres. Além disso, Entre as crianças que estão acima da linha de pobreza, 14,4% vivem em famílias monoparentais. Esse percentual sobre para 27,4% entre as crianças cujas famílias estão abaixo da linha de pobreza, e chega a 39% entre aquelas em situação de extrema pobreza.
Ou seja, há uma clara tendência de redução do nível de escolaridade na família e de ausência de um dos responsáveis para as crianças mais pobres.
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