Quem circula por Pernambuco percebe que a vida piorou. Não é só a fome. É a pobreza, a desigualdade, o desemprego, a informalidade e a inflação dos alimentos. O Estado, conhecido pelo bairrismo da população e pela megalomania de querer ser o maior, o melhor e ostentar recordes, é apontado em vários rankings negativos.
Entre 2019 e 2021, Pernambuco foi o Estado em que a pobreza mais cresceu no Brasil, com taxa de 8,14%. Pelos dados do Mapa da Nova Pobreza, divulgado pela FGV Social, são 1,6 milhão de pessoas vivendo com uma renda de, no máximo, R$ 497 por mês.
O valor não é suficiente, sequer, para comprar a cesta básica de 12 itens, calculada pelo Dieese, que em julho alcançou, pela primeira vez no Recife, a casa dos R$ 600, vendida por R$ 613,63. O preço, inclusive, superou o valor de R$ 600 do Auxílio Brasil, que o governo federal acabou de reajustar e começou a pagar neste mês de agosto.
Com 1,6 milhão de pessoas vivendo na pobreza, é como se toda a capital pernambucana, com seus 1,6 milhão de habitantes, enfrentasse esta condição.
Além de ser o Estado onde a pobreza mais cresceu, Pernambuco também se posiciona em quarto lugar entre os locais com maior proporção de pessoas pobres entre a população. Mais da metade dos seus habitantes (50,32%) estão nesta condição, atrás apenas de Maranhão (57,90%), Amazonas (51,42%) e Alagoas (50,36%).
O Brasil também alcançou recorde de pessoas pobres entre a população em 2021, registrando o maior número desde o início da série histórica da FGV Social, em 2012. Apesar da explosão nos dados, o percentual nacional ainda é bem inferior ao de Pernambuco. Enquanto o País tem quase um terço da população na pobreza (29,62%), o Estado tem mais da metade.
Pobreza, fome e desemprego no debate nacional nas eleições 2022
Em ano de eleições gerais, o convívio cotidiano da população com a fome, a pobreza, a desigualdade e o desemprego, obriga a inclusão do tema no debate nacional e local.
Os candidatos têm o desafio de apresentar propostas para combater o problema, que avança no País. Nos seus planos de governo, protocolados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), os candidatos ao governo de Pernambuco trouxeram capítulos dedicados aos problemas da fome, da pobreza e do desemprego.
Pernambuco também está no topo do ranking do desemprego. Em 2021, o Estado registrou a maior taxa do Brasil, com quase 20% (19,9%) da população em idade para trabalhar sem emprego. A desocupação ficou bem acima da média nacional de 13,2%.
A taxa de informalidade, que já é bastante alta no Estado, continuou crescendo, passando de 52,1% para 52,6% das pessoas ocupadas. Isso quer dizer que, além do desemprego, metade das pessoas empregadas está na informalidade, sem proteção social e, consequentemente, mais vulneráveis.
Fome chegou à casa de Dona Cristina
A combinação de desemprego, inflação alta e queda na renda resulta em insegurança alimentar. Foi o que acontecer na casa de Dona Cristina. Moradora do Beco do Galego, na comunidade do Bode, no bairro do Pina, Zona Sul do Recife.
Maria Cristina dos Santos, de 57 anos, é uma avó-heroína. Em sua pequena casa, com apenas dois vãos, ela abriga 16 netos. Diante do desemprego e da queda na renda, precisou garantir teto às famílias de quatro filhos. Era isso, ou deixá-los desabrigados.
A nora de Dona Cristina, Jéssica Cândida de Souza, de 31 anos, conta que morava com o marido e os filhos, na casa de sua mãe, também no Pina, quando a palafita ameaçou cair e foram obrigados a deixar o lugar.
“Ouvimos os estalos e saímos, antes que desabasse tudo. Minha mãe alugou uma casa bem pequena, enquanto ia reconstruindo a palafita. Aí, eu, meu marido e nossos filhos tivemos que vir para a casa da minha sogra”, recorda.
Dona Cristina, seus filhos e seus netos materializam as estatísticas da fome no Brasil. No final de 2020, 19,1 milhões de pessoas não tinham o que comer no País. No ano seguinte, a nação viveu um revés e, em menos de uma década, voltou ao vergonhoso Mapa da Fome da ONU, depois de sair desta condição em 2014.
Em 2022, o Brasil viveu outro retrocesso: a fome alcançou 33,1 milhões da população, um recorde nacional, atingindo 15,5% das pessoas. Isso quer dizer que 14 milhões de novos brasileiros foram empurrados para a situação de fome em pouco mais de um ano. É como se quase toda a população da Bahia não tivesse o que comer.
Os dados estão no II Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan).
Além de apontar a escalada da fome no País, o estudo traz a gradação do problema, nos conceitos de insegurança alimentar leve, moderada e grave. A leve é a incerteza do que terá para comer no dia seguinte, a moderada é quando a quantidade de comida é insuficiente e a grave quando um ou mais integrantes da família ficam sem comer o dia todo por falta de alimento.
Na casa de Dona Cristina, a insegurança chegou ao estado grave. Ela conta que várias vezes fica sem comer para não faltar para os netos.
“Para alimentar todo mundo, eu preciso colocar duas panelas de arroz no fogo por dia. Muitas vezes não tem mistura (carne), aí faço ovo. Mas tem dias que não tem nem ovo, então comemos arroz puro mesmo. Acordo e durmo pensando se vamos ter o que comer. Se vejo que vai faltar pra eles, não me alimento. Mas tem dias que não tem nada e eu digo: tomem água e vão dormir (com a barriga roncando)”, lamenta, chorando.
Desemprego traz fome e desespero
Ninguém está trabalhando com carteira assinada na casa da grande avó. Uma nora e a filha recebem o Auxílio Brasil, enquanto os homens vão atrás de fazer “ôia”. O restante da sobrevivência depende de doações e do esforço desta avó incansável. Antes, ela colocava um tabuleiro nas calçadas da comunidade para vender acarajé e passarinha, mas adoeceu e aguarda o agendamento de uma cirurgia pelo sistema público de saúde.
Na casa, só tem uma cama de casal e um sofá para abrigar 20 pessoas. Muitas crianças dormem no chão de cimento grosso forrado apenas com lençol, porque não tem colchão. Desesperançosa, os sonhos de Dona Cristina não são exatamente sonhos. São direitos constitucionais que, neste momento, nem ela nem os filhos nem os netos têm acesso. Questionada sobre o que poderia fazer sua vida melhorar ela responde:
“Queria cama, queria feira para me ajudar. Que nunca faltasse comida. Às vezes eles ficam sem comer nada. Às vezes não tem nada para eles comer nem pra mim. Quando não tem carne eu digo: vai ter que comer arroz assim mesmo. Faço arroz e eles comem tudinho, sem carne, sem nada. Às vezes dá vontade de me matar”, desabafa, tentando expressar seu desespero.
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