Indústria de Medicamentos

Hemobrás conclui parte da fábrica de Goiana até dezembro e inicia operação em 2024. PEC do Plasma atrapalha

Construída em parceria com a empresa privada japonesa Takeda, fábrica de recombinantes será a quarta em todo o mundo a fabricar esse medicamentos usado no tratamento da Hemofilia A

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Adriana Guarda

Publicado em 23/10/2023 às 21:00
Foto de arquivo - Vista aérea da Hemobras, Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia, em Goiana PE, que visa produzir hemoderivados para atendimento prioritário do SUS. - ARNALDO CARVALHO/JC IMAGEM

A Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás) - estatal criada para produzir medicamentos derivados do sangue - vai concluir, em dezembro, sua fábrica de recombinantes. Batizado de Hemo-8R, o fármaco é fabricado por engenharia genética (sem uso de plasma) e utilizado no tratamento de portadores de Hemofilia A. Com investimento privado de US$ 250 milhões da japonesa Takeda, a unidade funcional dentro do complexo industrial da Hemobrás, no município de Goiana, na Zona da Mata Norte de Pernambuco.  

O anúncio de inauguração da fábrica de recombinantes foi feito pela diretoria da Hemobrás nesta segunda-feira (23), após visita técnica de representantes do Ministério Público Federal em Pernambuco e do Ministério Público Junto ao Tribunal de Contas da União (MPTCU). 

Acumulando as funções de presidente e diretor-industrial da Hemobrás, Antonio Edson de Lucena, explica que a fábrica de recombinantes será o braço lucrativo da empresa. Como a produção não é feita à base de plasma, o excedente que não for destinado ao Ministério da Saúde - principal cliente da empresa -, poderá ser destinado ao mercado privado. 

"Existe uma escassez de produção de recombinantes no mercado internacional. A Hemobras será a quarta empresa no mundo a fabricar esse tipo de medicamento. A inovação está no fato de ele ser totalmente sintético, sem a necessidade do plasma. Hoje as fábricas estão localizadas nos Estados Unidos, na Europa e em Cingapura", destaca. 

Segundo o executivo, o Brasil tem um consumo anual de 750 bilhões de UI (unidades internacionais) de recombinantes, enquanto a Hemobrás terá capacidade para fabricar 1,2 bilhão de UI. O excedente de 450 bilhões de UI poderão ser comercializados e gerar lucro para a Hemobrás.

A companhia tem o compromisso de vender hemoderivados a preços de custo ao Ministério da Saúde, com o objetivo de reduzir a dependência nacional de hemoderivados. O País importa aproximadamente R$ 800 milhões por ano em hemoderivados e outros R$ 800 milhões em recombinantes. 

RECOMPOSIÇÃO 

Criada em 2005, com construção iniciada em 2010 e obras suspensas desde 2016, a Hemobrás tem o desafio de redesenhar seu futuro. Cercada por problemas de irregularidades administrativas, corrupação e a marca negativa de ter deixado quase 3 milhões de bolsas de sangue perder a validade, a empresa vive um novo momento. A preocupação é cuidar da gestão, deixar a fábrica 100% operacional e ser competitiva. Para isso, é preciso correr com o cronograma das obras. 

Com um presidente que também é diretor-industrial, a equipe fica menos política e mais técnica, ideal para o momento da Hemobrás de avançar. O escândalo do vencimento das bolsas de plasma fez com que a fábrica passasse cinco anos sem autorização para recolher o material nos hemocentros e, consequentemente, sem fracionar a matéria-prima para transformá-la em medicamento. Nessa época, o Ministério da Saúde tirou da Homobrás a gestão do plama no País, que só foi retomada em 2020. 

"Durante esse tempo, trabalhamos no desenvolvimento da fábrica do fator recombinante, esperando que essa a política do sangue voltasse pra gente. Foi um tempo delicado e quem perdeu de fato foram as pessoas que deixaram de ter um medicamento regular em casa", afirma Lucena.  

A procuradora da República Silvia Pontes, do Ministério Público Federal, recorda que o material não foi totalmente perdido porque graças à qualidade do plasma brasileiro foi possível destinar o material a outros usos, como a pesquisa. "Com isso foi possível fazer um ajuste de contas do prejuízo e do que foi recuperado", observa.  

FUTURO 

Incluída no Novo PAC, a Hemobras tem o desafio de concluir suas obras dentro do cronograma, começar a operar e se tornar competitiva, diante de um cenário onde é preciso mellhorar a qualidade do plasma dentro dos hemocentros, brigar para o plasma não ser vendido (PEC em tramitação no Senado) e lidar com o fim da Parceria de Desenvolvimento Produtivo (PDP) com o Ministério da Saúde. 

Uma das estratégias da empresa é a divisão entre os medicamentos recombinantes (sem necessidade de plasma) e hemoderivados (dependentes do plasma). Ao longo de seus quase 20 anos de história, a Hemobrás recebeu R$ 1,1 bilhão de investimento e vai receber outro R$ 1,4 bilhão para ser totalmente concluída. 

Segundo a Hemobrás, 80% de todo o complexo fabril está concuído e a previsão é que a infraestrutura do predio fique pronta em 2024. A partir daí, as fábricas ficam aptas a passar pelas validações da Anvisa para depois produzir. É isso o que vai acontecer com a unidade de recombinantes. 

No caso dos hemoderivados, a expectativa é concluir a obra em 2025 e começar a funcioanr em 2026. Neste ano, a empresa espera recolher 500 mil litros de plasma nos serviços de hemoterapia de todo o País para a produção de medicamentos. Hoje o recolhimento está na casa dos 200 mil litros. Os 500 mil litros vai permitir atender a demanda brasileira de seis hemoderivados de maior consumo no mundo: albumina, Fator VIII, Fator IX, Imunoglobulina, Complexo Protombínico e Fator de Von Willebrand. 

PEC DO PLASMA 

A Hemobras se posiciona contra a PEC do Plasma, que libera a venda de plasma sanguíneo. O texto foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado no início de outubro. A aprovação acontece num momento em que a Hemobrás corre para concluir a obra e cumprir seu compromisso de tornar o Brasil autosuficiente na produção de hemoderivados. 

"Somos contra pagamento de doador (de sangue), somos contra remuneração de hemocentros. Somos contra o que é hoje diferente da lei. A lei já prevê que o plasma excedente seja fracionado pela indústria nacional. E a indústria nacional é a Hemobrás", pontua Antônio Edison Lucena. A entrada da iniciativa privada pode tornar mais lenta a meta da estatal de atingir 500 mil litros de plasma, por conta da descentralização das vendas. 

O presidente da Hemobrás também se preocupa com a qualidade desse plama que será vendido. "Se você vai doar seu plasma de sangue de uma forma altruísta, você vai com uma consciência. Se você vai por remuneração, você pode esconder um comportamento inadequado que pode, sim, trazer risco, já que você tem algum tempo entre fazer a doação e aparecer algum marcador viral", sugere. 

MERCADO 

Além de ser um mercado bastante concorrido, com o preço do quilo do plama custando cerca de US$ 100, o Brasil tem uma situação diferenciada que torna a disputa ainda maior. "O plasma brasileiro é considerado valioso no mercado internacional pela sua diversidade genética", explica o procurador Marinus Marsico, do Público de Contas junto ao TCU (MPTCU). 


 

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