Com base nas informações e documentos recolhidos que serviram de base para a Operação Disclosure, o Ministério Público Federal diz ter encontrado provas "inequívocas" da participação de Miguel Gutierrez nas fraudes que teriam sido operadas para manter as ações da Lojas Americanas em alta. Ex-CEO da rede, Gutierrez foi preso ontem em Madri. Sua defesa alega que ele não tinha conhecimento do esquema.
O executivo é apontado na investigação como o principal responsável pela manipulação dos resultados contábeis da empresa. Era ele quem, segundo o MPF, tinha a palavra final sobre os números inflados que seriam levados ao conselho de administração da empresa e ao mercado.
"Os demais investigados faziam referências a ordens diretas de Miguel Gutierrez e, por vezes, tratavam diretamente com ele sobre a fraude", afirma o Ministério Público.
Pelas investigações, a manipulação dos balanços da companhia ocorria no fim de cada trimestre, de forma a aproximar os resultados das expectativas do mercado. Documentos nomeados "verdes" e "vermelhos" seriam a base do esquema.
Os investigadores identificaram ainda que o executivo preferia receber a maior parte dos arquivos em pendrive - "a fim de se resguardar" -, mas mensagens recuperadas confirmariam que ele tinha acesso aos resultados fraudados.
Objetivos do ex-executivo
A PF acredita que as fraudes eram operadas com dois objetivos: atingir metas financeiras internas, para conseguir bonificações, e aumentar o valor das ações da empresa, já que Gutierrez era um dos acionistas. Ele vendeu R$ 171 milhões em ações pouco antes do anúncio do rombo, em janeiro de 2023.
A Operação Disclosure foi deflagrada na quinta-feira com o objetivo de investigar a participação de 14 ex-diretores da Americanas em desvios que somam R$ 25,3 bilhões. Agentes vasculharam 15 endereços ligados a ex-dirigentes da companhia no Rio.
Além de Gutierrez, a 10.ª Vara Federal Criminal também autorizou a prisão preventiva da ex-diretora Anna Christina Ramos Saicali, que também saiu do País e até ontem à noite não havia sido encontrada. O nome de Anna foi incluído na chamada "lista vermelha" da Interpol - a relação dos mais procurados pela polícia internacional. Sua defesa não se pronunciou ainda sobre as acusações.
A ação da PF não envolveu os chamados acionistas de referência da rede - Jorge Paulo Lemann, Carlos Sicupira e Marcel Telles, que desde o início têm alegado desconhecimento das fraudes.
A PF apura supostos crimes de manipulação de mercado, uso de informação privilegiada, associação criminosa e lavagem de dinheiro. Se condenados, as penas podem chegar a 26 anos de reclusão. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) também investiga o caso.
O nome da operação, "Disclosure", faz referência à expressão recorrente no mercado financeiro que significa "fornecer informações para todos os interessados na situação de uma companhia", segundo a PF. A corporação diz que a expressão "pode ser traduzida como o ato de dar transparência à situação econômica da empresa".
Delação de antigos funcionários
A operação teve como base a delação premiada de dois antigos funcionários da Americanas: Flávia Carneiro, ex-superintendente da rede, e Marcelo Nunes, ex-diretor financeiro. Além do testemunho, eles apresentaram documentos que sustentariam as acusações.
As fraudes contábeis, segundo os dois, eram operadas com o objetivo de manter as ações da rede em alta, e tratadas internamente por códigos. Diferentes senhas foram sendo criadas pela antiga diretoria para se referir aos ajustes nas contas da companhia, como "alavancas", "botões", "oportunidades", "soluções criativas" e "extras".
Para operar as fraudes, ainda de acordo com as delações, existiam diferentes artifícios, como o lançamento de verbas de propaganda cooperada (espécie de crédito para o comerciante) que não existiam, a omissão dos juros em operações de "risco sacado" (na qual a empresa consegue antecipar o pagamento a fornecedores por meio de empréstimo bancário) e a reclassificação de despesas como investimentos.
De acordo com o Ministério Público Federal, as investigações tiveram início em 2023, após a Americanas divulgar um rombo de R$ 20 bilhões em seu balanço devido a "inconsistências contábeis". A Polícia Federal iniciou as apurações em seguida, assim como a Procuradoria e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM).