Dólar ignora esforço do BC e renova pico histórico com incerteza fiscal
A segunda foi de continuidade na pressão sobre o câmbio e, também, de avanço dos juros domésticos. Na máxima, o dólar à vista chegou a R$ 6,10
O dólar abriu a semana em alta firme no mercado local e renovou pico nominal histórico, apesar de novas intervenções do Banco Central, com leilão de linha e de venda de divisas à vista, que somaram US$ 4,628 bilhões. Segundo operadores, o real sofre com as incertezas fiscais, diante do risco de desidratação das medidas de contenção de gastos durante a tramitação no Congresso, e as remessas de moeda ao exterior por parte de fundos e empresas.
Nova rodada de deterioração das expectativas de inflação revelada pelo Boletim Focus, apesar de o Comitê de Política Monetária (Copom) ter acenado com mais duas altas de 1 ponto porcentual da taxa Selic, e declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva críticas ao nível da taxa de juros contribuíram para aumentar o desconforto entre investidores.
MÁXIMA DO DÓLAR
Com máxima a R$ 6,0986 na primeira meia hora de negócios, o dólar rodou ao longo da tarde entre R$ 6,07 e R$ 6,08. Nos últimos minutos da sessão, a divisa voltou a acelerar, de olho no noticiário fiscal, e fechou em alta de 1,03%, cotada a R$ 6,0934. Foi o terceiro pregão consecutivo de valorização da moeda americana, que terminou um pregão abaixo da linha de R$ 6,00 pela última vez na quarta-feira passada, 11, na expectativa pela decisão do Copom. O dólar já acumula valorização de 1,54% em dezembro, após de ter encerrado novembro com ganhos de 3,81%.
Na sexta-feira (13), à noite, o BC anunciou leilão de linha com compromisso de recompra no valor de US$ 3 bilhões para esta segunda-feira. Mas pela manhã, após a moeda se aproximar de R$ 6,10, a autoridade monetária promoveu leilão de venda à vista. A oferta amenizou parcialmente o movimento de alta do dólar, que se afastou das máximas.
Para o head da Tesouraria do Travelex Bank, o leilão de venda à vista não chegou a ser uma surpresa, tendo em vista que há uma demanda reprimida por divisas neste fim de ano. "Muitas empresas e fundos estavam esperando o dólar cair para compra. Como isso não aconteceu, estão vindo ao mercado agora para fazer as remessa de fim de ano porque esta é a última semana com liquidez de fato no mercado", afirma Weigt, para quem o BC acerta ao "suprir a demanda reprimida" e não busca defender um nível de taxa de câmbio.
Analistas afirmam que, além da busca por dólares para remessas, há uma demanda por proteção cambial que reflete o aumento da percepção de risco fiscal. Além de serem consideradas insuficientes, as medidas de contenção de gastos do governo podem ser diluídas no Congresso, que tem prazo exíguo para aprová-las ainda neste ano. O recesso parlamentar começa no dia 23 e vai até 1º de fevereiro de 2025.
PACOTE FISCAL E DEMAIS MEDIDAS
No fim da manhã, após visita ao presidente Lula, em São Paulo, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que trabalha com a expectativa de aprovação ainda neste ano do pacote fiscal, da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e da Lei Orçamentária Anual (LOA). Ele afirmou que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já teria deixando claro que as medidas de contenção de gastos serão apreciadas ainda em 2024.
Após encontro com Lula à tarde, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, reforçou a expectativa de concluir a votação do pacote fiscal até o fim do ano, mas disse que o pacote é a segunda prioridade do governo para esta semana, atrás da reforma tributária. Segundo fontes ouvidas pelo Broadcast após reunião de líderes, a Câmara não definiu data para votação das medidas de contenção de gastos.
O Tesouro Nacional, em relatório de Projeções Fiscais, afirmou que a meta fiscal de 2025 - de déficit zero, com tolerância de 0,25 pp do PIB - será alcançada mesmo se R$ 46,7 bilhões em receitas condicionadas à aprovação de projetos não forem alcançadas. Seriam necessários, porém, R$ 17,9 bilhões adicionais. Já sem novas medidas de arrecadação as metas de 2026,2027 e 2028 não serão cumpridas.
"O dólar segue em tendência de alta, que está muito ligada à questão do risco, com as incertezas fiscais e a piora nas estimativas de inflação. Isso afasta investimentos do país. Mesmo com o BC atuando, o real continuou a se depreciar", afirma a economista-chefe do Ouribank, Cristiane Quartaroli, acrescentando que há também um clima de cautela à espera da decisão de política monetária do Federal Reserve nesta quarta-feira, 18.
IBOVESPA EM QUEDA
O Ibovespa se firmou em baixa e emendou a terceira perda diária nesta abertura de semana, cedendo a linha dos 124 mil na reta final. Na maior parte do dia, o índice da B3 operava colado à estabilidade, mostrando variação de apenas 675 pontos entre a mínima e a máxima, quando veio a piora em direção ao fechamento. Ao fim, marcava 123.560,06 pontos, em queda de 0,84%, no menor nível desde 26 de junho, então abaixo dos 123 mil. Na mínima de hoje, tocou os 123.495,17 pontos (-0,90%), saindo de máxima a 124.955,95 e de abertura a 124.609,81. O giro ficou em R$ 22,8 bilhões. No mês, o Ibovespa cai 1,68% e, no ano, cede 7,92%.
A segunda-feira foi de continuidade na pressão sobre o câmbio e, também, de avanço da curva de juros doméstica. Na máxima de dia, o dólar à vista foi negociado perto de R$ 6,10, mesmo com a oferta da moeda americana em leilões realizados pelo Banco Central. Ao fim, o dólar à vista marcava alta de 1,03%, a R$ 6,0934.
Até a piora na reta final, a principal ação do Ibovespa, Vale ON, era a fiadora da estabilidade do índice na sessão, negativa para os grandes bancos, com perdas até 1,90% (Bradesco ON, mínima do dia no fechamento), e também para Petrobras (ON -0,97%, PN -0,42%). Vale ON perdeu força em direção ao fim da tarde e mostrava leve baixa de 0,05% no fim, alinhando-se os demais pesos-pesados do índice.
Na ponta ganhadora do Ibovespa, destaque absoluto para a estreante do dia, Automob, que mostrava nada menos de 180,09% de apreciação no fechamento, bem positivo também para Pão de Açúcar (+15,61%) e, em menor medida, para Minerva (+5,58%). No lado oposto, Vamos (-8,45%), Assai (-6,09%) e Magazine Luiza (-5,37%)
"Mais um dia difícil, com muita incerteza fiscal ainda no radar. O recesso parlamentar começa na próxima semana e o calendário é muito apertado para que se aprove o pacote de cortes de gastos, que envolve até PEC. Tem o Orçamento para 2025 e regulamentação da reforma tributária, também, em momento em que o presidente Lula ainda está em recuperação da cirurgia. Dominância fiscal é possível: o governo está se colocando nessa situação, de beco sem saída", diz Matheus Spiess, analista da Empiricus Research.
GARANTIA FISCAL DE LULA PREOCUPA
Ele acrescenta o efeito da "péssima" entrevista do presidente Lula ao Fantástico, da TV Globo, na qual Lula teria reiterado, nas palavras do analista, a perspectiva do "la garantia soy yo" na condução do fiscal. Cenários de dominância fiscal envolvem a falta de efetividade de juros altos, ante o descontrole fiscal e a desancoragem que tal descontrole produz nas expectativas.
"A disparada do dólar, que já supera R$ 6,08 e caminha para R$ 6,10, evidencia um cenário de fragilidade no Brasil. Internamente, a ausência de medidas fiscais concretas por parte do governo alimenta a desconfiança, mesmo com a taxa de juros elevada em 12,25% ao ano", aponta Volnei Eyng, CEO da gestora Multiplike.
"A alta contínua do dólar segue refletindo o aumento das incertezas fiscais e a desconfiança na condução da política monetária no Brasil, mesmo que estejamos, hoje, na véspera da divulgação da ata da mais recente reunião do Copom", da semana passada, observa Sidney Lima, analista da Ouro Preto Investimentos. Na semana, destaque também para a decisão de política monetária do Federal Reserve, na quarta-feira, 18, quando o BC americano deve voltar a cortar os juros.
Aqui, "apesar das intervenções do Banco Central hoje, a percepção de que as medidas fiscais são insuficientes para estabilizar a dívida pública mantém a pressão no câmbio", acrescenta o analista da Ouro Preto, observando que mudança de composição na diretoria do BC, a partir de 2025, contribui para reforçar dúvidas quanto ao compromisso com o controle inflacionário, ao longo do tempo.
CRÍTICA DE LULA AOS JUROS
Em entrevista ao programa Fantástico da TV Globo na noite de domingo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a criticar o nível de juros em relação à inflação que se tem no País, e disse esperar uma perspectiva diferente, sem citar os nomes de Roberto Campos Neto, de saída do BC, ou de Gabriel Galípolo, que está para assumir a presidência da instituição em janeiro - em 2025, também assumirão novos diretores, inclusive para a estratégica diretoria de Política Monetária.
"Com investidores buscando ativos mais seguros, a pressão sobre o câmbio se intensifica e o Ibovespa recua para baixo de 124 mil pontos, em um movimento que reforça a volatilidade do mercado brasileiro", resume Felipe Vasconcellos, sócio da Equus Capital
Juros
Os juros futuros fecharam o dia em alta expressiva, com novo salto das taxas a níveis inéditos nos contratos de longo prazo. A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2026 encerrou em 15,06%, de 14,89% no ajuste de sexta-feira, e a do DI para janeiro de 2027 subiu de 15,05% para 15,52%. O DI para janeiro de 2029, a 15,27%, terminou na máxima histórica, de 14,61% no ajuste anterior.
O mercado vem há semanas numa espiral negativa, na qual a indefinição sobre o pacote de corte de gastos alimenta a alta das taxas e do dólar, o que acentua a desancoragem das expectativas de inflação e leva a ainda mais descrença numa solução de curto prazo.
O BC voltou hoje a vender dólares à vista (US$ 1,628 bilhão), além da operação de venda com compromisso de recompra (linha), conseguindo limitar o avanço da moeda. Segundo a Warren, a venda de dólares no mercado spot na semana passada já havia contaminado o DI, "ao deslocar o prêmio de risco do mercado de câmbio para esse mercado e ao acarretar certa perda de eficácia da utilização de hedge de posições aplicadas em juros mediante a utilização de derivativos cambiais", segundo o estrategista-chefe Sérgio Goldenstein.
O sócio-fundador da Oriz Partners, Carlos Kawall, lembra que o DI é um mercado mais vulnerável neste sentido. "Na bolsa, as próprias empresas podem anunciar compra de ações e no dólar, o BC tem um poder, via swap, linha, o spot etc.", afirma. O Tesouro pode até entrar para defender a desvalorização dos títulos, mas tem atuação limitada. "O que já vem fazendo é tirar um pouco o pé do acelerador dos leilões", diz.
O trader de renda fixa da Connex Capital Gean Lima viu a dinâmica das taxas hoje ligada aos seguintes fatores: a piora da projeção do Tesouro para a Dívida Pública do Governo Geral (DBGG) e do déficit primário do governo central; leilão do BC; e a cautela com a agenda da semana que tem amanhã a ata do Copom e na quarta-feira a reunião do Federal Reserve.
No relatório de Projeções Fiscais, o Tesouro estima que a DBGG vai subir até 2027, iniciando o processo de estabilização a partir de 2028, quando o índice alcança 81,6% do PIB. Segundo o documento, a estabilização da dívida em 2028 exige um resultado primário de 0,7% do PIB em 2028. Além disso, prevê que o governo central terá déficits de 0,6% do PIB em 2024, 0,4% do PIB em 2025 e de 0,1% do PIB em 2026, estimativas que se afastam das metas do arcabouço.
Como relatou o repórter Daniel Weterman, do Estadão, o Executivo pagou R$ 7,1 bilhões em emendas em dois dias para tentar destravar o pacote. Ele trouxe ainda que o relatório da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2025 terá um dispositivo que obriga o governo a mirar apenas no centro da meta fiscal até outubro de 2025, sem considerar o piso inferior.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, demonstrou otimismo de que tudo será votado ainda em 2024, após visitar o presidente Lula, que ontem teve alta hospitalar, em São Paulo. "O presidente Lira já deixou claro que se precisar convocar a sessão de manhã, de tarde e de noite até quinta-feira, a Câmara vai estar disponível para atender o País", disse. Segundo ele, o apelo do presidente Lula é para que não haja desidratação das medidas.
CRÍTICAS DO PRESIDENTE
Ao Fantástico, da TV Globo, Lula reforçou as críticas ao atual patamar da Selic. "A única coisa errada nesse país é a taxa de juros, que está acima de 12%", afirmou. Para o presidente, não há justificativa para que a Selic esteja neste nível, já que, segundo ele, a inflação segue "totalmente controlada". "A irresponsabilidade é de quem aumenta a taxa de juros e não do governo federal, mas vamos cuidar disso", complementou.
Na pesquisa Focus, a sinalização do Copom limitou o ritmo de desancoragem das expectativas de inflação, mas ainda assim a mediana de IPCA 12 meses à frente, que a partir do ano que vem vai balizar a meta de inflação, subiu de 4,64% para 4,68%. A mediana de Selic para o fim de 2025 subiu de 13,50% para 14,00%. A curva a termo precificava integralmente um aumento de 1,25 ponto da taxa básica no Copom de janeiro e taxa terminal de 16,25%, ainda um pouco abaixo do nível da manhã, em 16,5%, segundo Gean Lima, da Connex.
Vale destacar que o ambiente externo teve participação especial na trajetória da curva. As taxas aceleraram para as máximas do dia à tarde, depois que Trump colocou o Brasil como alvo de sua política de taxação de importações, o que traria ainda mais implicações ao câmbio e à inflação.