Marca de Ayrton Senna aproveita crescimento recente da F-1 e ganha mercado nos EUA
Estados Unidos é onde há maior interesse recente no brasileiro, nos últimos cinco anos ou menos
Está num adesivo no para-choque de carro, num pacote de frutas no supermercado, num tênis ou numa camisa de etiqueta famosa. A marca de Ayrton Senna está em todo lugar, em diferentes áreas da sociedade, e em processo de crescimento, mesmo 30 anos após a morte do tricampeão mundial de Fórmula 1. E agora desbrava um novo e poderoso mercado: os Estados Unidos.
"O Senna está ficando famoso nos Estados Unidos, acredite se quiser", disse Bianca Senna, sobrinha do ídolo, ao Estadão. "O mercado americano não tinha muito interesse em F-1, mas começou a ter nos últimos quatro anos. E porque os pilotos falam muito do Senna, principalmente o Lewis Hamilton, as novas gerações que são fãs dos pilotos de hoje acabam querendo saber quem é o Ayrton. E isso se transfere, passa de geração para geração. Vai acontecendo de forma orgânica."
No ano passado, a Senna Brands encomendou pesquisa sobre a popularidade do ídolo em 14 países. Neste grupo avaliado, os Estados Unidos é onde há maior interesse recente no brasileiro, nos últimos cinco anos ou menos. Em muitas destas nações, o interesse pelo tricampeão mundial é maior do que pela Fórmula 1 e do que pelo automobilismo em geral, de acordo com a pesquisa.
Bianca cita um exemplo para atestar a iniciante popularidade do brasileiro entre os americanos. "Vamos ter um mural do Kobra inaugurado na quinta-feira, que vai ficar na torre de comando do GP de Miami de F-1. Ficará no Dolphins Stadium para sempre. E foi o pessoal do estádio que pediu para fazer essa homenagem. Aí você vê como a situação é grande. Eles não fizeram isso para nenhum outro atleta", afirmou a CEO da Senna Brands, empresa criada para gerir a imagem e os produtos ligados ao ídolo.
Ela conta que os primeiros produtos licenciados chegaram aos EUA no ano passado. "Estamos começando a ver os produtos nas gôndolas agora. Normalmente, nos casos de licenciamento, a gente costuma ter um período de semear até começar a colher os resultados. Estamos exatamente neste momento, vamos ter um crescimento, mas será um crescimento mais estável. No ano que vem é que vamos sentir um pico maior por conta do mercado americano. Os americanos acabam influenciando o resto do mundo."
A maior presença das marcas Senna e Senninha em solo americano coincide com o crescimento da própria F-1 no país. A categoria vem investindo forte em mídia, conquistando maior popularidade, principalmente entre os mais jovens. Para tanto, conta com o sucesso da série "Drive to Survive", da Netflix, que apresentou o campeonato à nova geração.
"Precisamos sempre estar nos reinventando porque as gerações mudam, os meios mudam e precisamos estar tentando encontrar formas de passar a história e os valores do Ayrton de uma forma que a nova geração consuma, do jeito que eles gostam", diz Bianca, já projetando a série da Netflix que vai contar a história do Senna. "Vai ajudar muito, por ser ficcional, por trazer o Ayrton dentro de outro contexto, não apenas nas corridas."
Na esfera virtual, a Senna Brands também investe no público infantil. "Lançamos um jogo agora com o SporTV, que é o Senna Land, voltado para as crianças. Você começa a ter o seu primeiro momento de conhecimento ali. Temos redes sociais, muitas formas de conseguir falar com a nova geração. São essas formas que precisamos sempre estar trabalhando: games, entretenimento, experiências, produtos."
A força do tricampeão mundial até hoje pode ser medida por uma cifra, já desatualizada. Em 2019, Bianca estimou que a marca Senna já rendeu cerca US$ 2 bilhões (cerca de R$ 8,3 bilhões no câmbio da época) desde a sua criação, em 1990. A sobrinha do ídolo acredita que a cifra receberá uma boa atualização no próximo ano, após a marca se consolidar no mercado americano.
"Eu não tenho esse número exato, mas, com certeza, aumentou. Não vou dizer que foi um aumento exponencial. Mas posso dizer que é um aumento constante. Acho que o próximo pico vai ser com a série da Netflix. Depois deste momento, vamos ter um crescimento maior porque começamos a abrir mercados, como o americano."
PARCERIAS
O crescimento das marcas ligadas a Senna tem relação direta com parcerias com outras empresas. CMO da Senna Brands, Ana Cristina Simões estima que a empresa possua atualmente 50 parceiros, o que deve gerar 150 produtos licenciados, desde pacotes de tomates e maçãs até tênis esportivos, marcas de relógio de luxo e até obras de arte. "Tem muitas empresas e artistas que gostam de fazer homenagens com a imagem do Senna. Então, temos vários produtos licenciados nesta área, como capacetes talhados a mão na madeira, telas, etc", comenta.
Com a presença maior nos EUA, o número de produtos licenciados deve crescer, na expectativa dos gestores da marca. "Estamos numa expansão global muito forte, com marcas e produtos globais. Muita coisa em andamento, é até difícil de quantificar. Entendemos que o produto é um ponto de contato com o fã, é onde ele materializa esse amor pelo ídolo. É onde ele consegue encostar", explica Ana Cristina.
Os principais produtos ligados à empresa estão à venda online em site com versão brasileira e também global. "Em termos de entrega, hoje temos alcance global. Mas esse é um caminho que estamos percorrendo para que consigamos essa distribuição pelo mundo todo."
STATUS DE LENDA
Outra pesquisa atesta o sucesso que o prestígio que as marcas de Senna ainda sustentam na Europa, berço da F-1. Oito de cada 10 pessoas na Itália afirmaram que são interessadas ou fãs do brasileiro.
Bianca acredita que a visão de Ayrton como um lutador diante de adversidades solidifica sua imagem em diferentes países e culturas. "A imagem dele é atemporal e conecta com uma força que todos nós temos dentro da gente, que é essa força interior de lutar pelo que acreditamos. Acho que o Ayrton simbolizou isso porque nas corridas ele mostrava que não estava fácil. Mas não desistia", afirma a sobrinha do ídolo.
Para Ana Cristina, o resultado destas e de outras pesquisas mostram que a popularidade do ídolo segue como o grande ativo da Senna Brands. "Temos empresas e pessoas que investem durante toda uma vida para chegar neste patamar de reconhecimento. Muitas vezes percebemos um certo deslocamento entre a imagem dele e a do automobilismo porque ele já atinge um patamar de lenda. Não é mais um atleta ou celebridade, ele é uma lenda", diz a CMO da empresa.
LEGADO VIVO
Os frutos colhidos pela Senna Brands se tornam novas sementes no Instituto Ayrton Senna, focado na educação. Fundado em 1994, poucos meses após a morte do ídolo, o instituto já alcançou mais de 36 milhões de crianças e jovens em cerca de três mil cidades do Brasil. As marcas Senna e Senninha ajudam a bancar o projeto que era o sonho do piloto e que se tornou realidade com sua irmã, Viviane.
"Parte de todas as vendas, e mesmo do licenciamento da imagem, vai para o Instituto, para alimentar esse ciclo. Se não manter o legado vivo, o Instituto perde força. Investimos na marca para a marca poder continuar mantendo vivo o legado pelo Instituto, para que siga tendo esse impacto educacional", diz Ana Cristina.
O trabalho realizado pelo instituto e pela Senna Brands é elogiado por especialistas em marketing. "Eles são um espetáculo de exemplo, não é fácil levar a imagem de um atleta de um esporte, que não é o futebol, para a frente ao longo de tantos anos. E esse desafio se torna maior ainda quando não se tem mais a figura viva. Não sei quantos outros institutos têm tanto sucesso e longevidade nesta situação, sem o ídolo ainda vivo, no mundo do esporte", opina Ivan Martinho, professor de marketing da ESPM.
O especialista também elogiou as parcerias e a presença do Instituto nos grandes eventos do automobilismo brasileiro. "Eles fazem 'collabs', se fazem presentes, continuam com uma relação saudável com a F-1, com o Autódromo de Interlagos. Todo GP de São Paulo tem algum evento ou algo relacionado ao Senna: monumentos, homenagens. O trabalho do Instituto é tão sério que se transformou em algo quase que automático para as empresas aportarem ali todos os anos."