PADRE BIU DE ARRUDA
Eu quero envelhecer. Envelhecer sentindo a marca do tempo na minha vida. Percebendo o invadir dos cabelos brancos por todo corpo. Sentindo o travar do físico. Dificuldade com o olhar turvo. A escuta já bastante limitada. Os passos lentos. A voz rouca. O paladar insípido. Sem a melanina de antes, contudo, com a lembrança clara da infância e da juventude. Tempo maravilhoso e bom que não volta mais. Sentir saudade daquela época vivida ao lado dos meus familiares queridos. Por essa razão, chegar à idade da senectude deve ser um desejo da pessoa. Logo, o meu desejo é envelhecer. Se conseguirei, não sei.
Eu quero envelhecer, sim. Envelhecer, reconhecendo que há tempo para tudo. Até mesmo para ser atingido pela limitação humana, que chega muito rápido. Por isso, é preciso celebrar cada momento com intensidade única. E, assim, perceber que, embora, recorrendo a recursos estéticos como lifting facial, blefaroplastia, rinoplastia, tudo não passa de remendo. Como também usar os ácidos de preenchimento como se fossem a solução; mas na verdade, são remendos novos em físico desbotado pela ação do tempo. Dá certo? Aqui, para nós: às vezes, é somente um disfarce charmoso, tentando, a todo custo, enganar o tempo, uma vez que ele não perdoa. Contudo, quero envelhecer. Irei conseguir? Não sei.
Eu quero envelhecer, sim. Porém, eu quero envelhecer feliz, sem ser um idoso que reclame de tudo e de todos. Quero ser um velhinho que cause fascínio pelo uso da toalete diária. Pelo prazer de ter vivido no meu tempo. Um tempo bom. Não quero apenas lembrar na velhice, no entanto, carregar no meu coração – relicário especial – as pessoas que só adicionaram na minha vida. Serão minhas companhias inseparáveis na senectude. Quero ter também, gente jovem ao meu lado, não apenas como presença, contudo, para receber ajuda física no entardecer da minha história, quando trêmulo já estiver. Pois, há momento na vida, que o físico não corresponde mais às exigências da idade. Eu quero envelhecer. Irei conseguir? Não sei.
Eu quero envelhecer com as marcas das travessias que superei ao lado de pessoas boas. Sem alimentar na memória, ranço, ódio, e sentimentos que não edificam. E mais: sem nada pendurado na parede, que lembre alguns títulos ou honrarias. Antes, em lúcida consciência, farei uma fogueira e tudo terá o fim da insignificância das cinzas. Como também cônscio de mim, farei um testamento. Em vida, meu usufruto; por morte, dos herdeiros que forem contemplados no documento. Irei conseguir? Não sei. Sei que quero envelhecer.
E, como cristão que sou e temente ao Criador, espero receber, na minha senectude, a assistência religiosa e, antes da celebração da minha páscoa definitiva, o consolo pelo sacramento da Unção dos Enfermos e assim ir ao encontro definitivo do meu Deus. Esse é o meu desejo. Irei conseguir? Não sei. Só sei que quero envelhecer.
Padre Biu de Arruda é pároco da Paróquia de Santa Luzia, no bairro da Estância