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PESSACH – A travessia para a Liberdade

Por JC Publicado em 21/04/2024 às 0:00


JÁDER TACHLITSKY

Pessach, uma das mais importantes festividades do calendário judaico nos traz a mensagem de uma travessia.
Travessias existem várias em nossas trajetórias, enquanto indivíduos, enquanto povos. A dinâmica da vida sempre nos instiga a buscar novos caminhos. Identificar onde estamos e o que almejamos atingir.
A trajetória da vida judaica durante milênios sempre foi essa. Recomeçar, juntar os cacos e reconstruir. Nunca foram caminhos fáceis, sempre desafiadores. Mas o desafio sempre funcionou como um estímulo, uma energia vital para dizer, não nos conformaremos com o infortúnio. Não sucumbiremos. Não abdicaremos de enviar sempre uma mensagem de esperança para nós mesmos, para toda a humanidade.
Os israelitas eram escravos no Egito. Ansiavam pela liberdade. Ansiavam por retornar à Terra Prometida. Não coube à geração liberta a concretização plena desse sonho. Mas o legado foi transmitido. E uma nova geração, forjada no deserto, a caminho de “casa”, o transformou em realidade.
Durante mais de um milênio o povo de Israel foi soberano em sua terra. Enfrentou, é verdade, muitos momentos de agressão externa dos grandes impérios que surgiam e sucumbiam. Mas criou um vínculo inquebrantável com a terra. Conhecia seus mistérios, seus ciclos, os segredos do plantio e da colheita.
Eram ao mesmo tempo, povo, nação e congregação de fé. As crenças se materializavam na vida prática. E a vida prática se revestia de sacralidade.
O Judaísmo sacralizou espaços, porém mais ainda, sacralizou o tempo. Reservou um dia a cada semana, o sétimo dia, O “Shabat”, como tempo sagrado. Como ápice da liberdade, como antecipação de uma era messiânica revestida de paz e fraternidade para toda a humanidade. E sacralizou muitas outras datas, que vinculavam sua história à continuidade de sua jornada.
O povo de Israel em muitas ocasiões se viu forçado a sair de sua terra. Muitas vezes também forçado a abdicar do direito de praticar sua fé. Mas nunca abdicou de alguns princípios básicos. Fidelidade ao seu passado, uma ideia obstinada de nunca aceitar verdades tácitas ou impostas. De permanentemente questionar o momento presente por entender que sempre é possível construir um futuro melhor.
Ao longo de dois mil anos a maior parte do povo judeu residiu distante de sua terra ancestral. Mas jamais abandonou a recitação do salmo “Se um dia eu me esquecer de ti, Jerusalém .....”. E todo ano, na festividade de Pessach, repetia o mantra: “Bashaná Habaá beYerushalaim” (no ano que vem em Jerusalém).
Eis que a partir do final do século XIX intensificou-se o movimento de massas judaicas no caminho de retorno à sua terra, o Sionismo.
Plantaram árvores onde era pântano ou deserto, construíram escolas, edificaram cidades. Em paralelo à maior hecatombe de sua história, o Holocausto, solidificaram a recriação de uma pátria judaica.
E esperavam poder viver em paz com seus vizinhos.
E mesmo sem a bênção da paz esperada transformaram uma jovem nação renascida num grande exemplo de formação de um estado pujante, democrático, inclusivo.
Neste momento judeus e judias se preparam para mais uma vez vivenciar o Pessach. Lembrar de suas origens. Recordar o grito de liberdade diante da tirania.
Ao mesmo tempo refletem como é possível estarmos vivendo tempos tão tenebrosos. De acirramento do antissemitismo, de ressurgimento de calúnias medievais, de estigmatização de pessoas a partir de sua origem
O valor inegociável da liberdade, vivenciado na festividade de Pessach, serviu como inspiração permanente para todos os povos de todas as épocas.
Hoje, protagoniza o debate contemporâneo, o direito do povo judeu de ser respeitado, do estado-nação do povo judeu não ter questionado o seu direito à existência, não ser alvo permanente de ameaças à sua integridade e a de seus habitantes.
O respeito a esses princípios por parte de qualquer nação é um consistente marcador do seu grau de civilidade.
A história sempre nos ensinou que aquilo que começa contra os judeus nunca termina unicamente contra os judeus.
E por tudo que representa nossa história, nossos valores e nossos compromissos, jamais perderemos nossa crença na humanidade e em sua capacidade de evoluir e construir um caminho de comunhão que assegure a todos o direito a uma vida plena e inclusiva.
Jáder Tachlitsky é economista, professor de Cultura Judaica e História Judaica e coordenador de comunicação da Federação Israelita de Pernambuco.

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