As autoridades do Talibã anunciaram na terça-feira (20) a proibição do acesso de mulheres à educação universitária no Afeganistão por tempo indeterminado, um novo golpe contra o direito das afegãs à educação e liberdade.
"Recomenda-se que implementem a ordem de suspender a educação das mulheres até novo aviso", indica uma carta assinada pelo ministro do Ensino Superior, Neda Mohammad Nadeem, enviada a todas as universidades públicas e privadas.
A proibição de acesso ao ensino superior chega menos de três meses depois que milhares de mulheres realizaram as provas de acesso à universidade, uma espécie de vestibular, em todo o país.
"Não só eu, mas todos os meus amigos ficaram mudos. Não temos palavras para explicar o que sentimos (...) Tiraram nossa esperança. Enterraram nossos sonhos", declarou à AFP Madina, uma estudante que não revelou o sobrenome.
Desde que o grupo fundamentalista islâmico recuperou o controle do Afeganistão em agosto do ano passado, as universidades se viram obrigadas a implementar novas regras, entre elas a segregação por gênero nas salas de aula e nas entradas dos edifícios.
Além disso, as estudantes apenas podiam ter aulas com docentes mulheres ou homens idosos.
A maioria das adolescentes de todo o país já havia sido proibida de frequentar o ensino médio, o que limita seriamente suas chances de ter acesso à universidade.
O Talibã havia prometido ser mais flexível, mas este ano mostrou que prevalece a interpretação ultrarrigorosa do Islã de sua primeira fase no poder (1996-2001).
"O Talibã não pode esperar ser um membro legítimo da comunidade internacional se não respeita plenamente os direitos de todos no Afeganistão. Esta decisão terá consequências para o Talibã", afirmou o secretário de Estado americano, Antony Blinken.
Durante uma visita a Washington, o ministro das Relações Exteriores do Paquistão, Bilawal Bhutto Zardari, se declarou "decepcionado com a decisão".
Ao mesmo tempo, o ministro paquistanês defendeu a negociação: "Ainda acredito que o caminho mais fácil para nosso objetivo, apesar dos muitos contratempos quando se trata de educação feminina e outras coisas, é através de Cabul e do governo interino".
As medidas liberticidas aumentaram nos últimos meses, sobretudo as que afetam as mulheres, que vão sendo progressivamente removidas da vida pública.
Em uma reviravolta inesperada, em 23 de março, as autoridades voltaram a fechar as escolas secundárias logo após sua reabertura, anunciada meses antes.
O líder supremo dos talibãs, Hibatullah Akhundzada, interveio na decisão, de acordo com um alto funcionário.
Várias autoridades governamentais afirmaram que não havia professores ou dinheiro suficientes, mas que as escolas reabririam quando o programa de ensino islâmico estivesse elaborado.
Funcionárias também foram excluídas da maioria dos empregos públicos ou recebem um pequeno valor para ficar em casa.
As mulheres não têm o direito de viajar sem estar acompanhadas de um parente do sexo masculino e devem usar burca ou hijab fora de casa.
Em novembro, o Talibã também proibiu o acesso a parques, jardins, quadras esportivas e banheiros públicos.
As manifestações de mulheres contra tais medidas, que costumam reunir apenas algumas dezenas de pessoas, tornaram-se muito arriscadas. Inúmeras manifestantes foram detidas e os jornalistas estão sendo cada vez mais impedidos de cobrir esses protestos.
Apesar de excluídas dos centros educacionais, em Cabul, muitas jovens compareceram no início de dezembro para fazer o exame no final de seus estudos secundários, condição necessária para acessar a universidade.
As novas restrições estendidas à educação das mulheres no Afeganistão são trágicas", afirmou o ex-ministro das Finanças do antigo governo afegão, Omar Zakhilwal.
"Esta proibição não tem nenhum fundamento religioso, cultural ou logístico. Não é apenas uma grave violação dos direitos das mulheres à educação, mas também uma profunda anomalia para nosso país!", escreveu no Twitter.
A comunidade internacional condicionou o reconhecimento do regime talibã e a ajuda humanitária e financeira absolutamente necessária ao Afeganistão ao respeito pelos direitos humanos, em particular o acesso das mulheres à educação e ao trabalho.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, declarou que está "profundamente alarmado" com a medida e reiterou que "negar a educação não apenas viola os direitos à igualdade das mulheres e meninas, como também terá um impacto devastador no futuro do país".