Da AFP
A presidenta do Peru, Dina Boluarte, pediu nesta terça-feira (24) "uma trégua nacional" e "a criação de mesas de diálogo" para apaziguar os protestos que pedem a sua renúncia, que já deixaram 46 mortos em cinco semanas.
"Convoco a minha querida pátria para uma trégua nacional para poder estabelecer mesas de diálogo, para poder fixar a agenda por cada região e desenvolver nossos povos", declarou a presidente, que classificou os manifestantes que voltaram às ruas no sul do país como "radicais violentos e com uma agenda própria".
"Não me cansarei de convocar o diálogo, a paz e a unidade", disse Dina em uma entrevista coletiva para a imprensa estrangeira no Palácio de Governo, em Lima.
A convocação da presidenta aconteceu horas antes do centro de Lima se transformar em um palco de confrontos entre manifestantes e agentes de segurança.
"Que ela renuncie, que o Congresso seja trocado e que novas eleições sejam organizadas, queremos um governo de transição", disse à AFP Rosa Soncco, uma indígena de 37 anos que chegou a Lima vinda de Acomayo, em Cusco, para protestar nesta terça-feira ao lado de dezenas de camponeses.
A marcha convocada por universitários reuniu milhares de manifestantes no centro histórico, também para exigir eleições imediatas.
A tropa de choque disparou gás lacrimogêneo para dispersar a multidão e impedir que se aproximassem da sede do Congresso, em meio a confrontos com manifestantes que responderam lançando pedras.
Na Praça San Martín, em Lima, jovens armados com escudos feitos à mão, com lenços para cobrir o rosto e bombas caseiras enfrentaram a tropa de choque. Uma mulher ferida foi socorrida por uma ambulância.
Na noite desta terça-feira, o governo anunciou o fechamento temporário do Aeroporto Internacional de Cusco, como "medida de precaução" devido à marcha nacional de quarta-feira.
Na região de Ica, ao sul de Lima, a polícia usou gás lacrimogêneo para liberar vários trechos de uma rodovia que permanecem interditados por dezenas de moradores.
As manifestações começaram depois da destituição e prisão do ex-presidente de esquerda Pedro Castillo, em 7 de dezembro, após uma tentativa fracassada de dissolver o Parlamento - controlado pela direita - que estava prestes a removê-lo do poder por suspeita de corrupção.
No entanto, após a retomada dos protestos, em 4 de janeiro, as principais exigências se baseiam em direitos sociais, desigualdade e discriminação racial em áreas historicamente negligenciadas do Peru, um país de maioria indígena.
Nas áreas de classe média e alta da capital peruana, não se percebe o clima de tensão e convulsão social que abala o centro histórico e as cidades do sul dos Andes e de maioria indígena.
Dina descartou novamente deixar o cargo e enfatizou que ocupa a presidência por mandato constitucional. Ela atribuiu a versão de que deu um golpe no ex-presidente Castillo a uma "narrativa de grupos radicais de pessoas baseada no narcotráfico, garimpo ilegal e contrabando", que, segundo ela, também estariam por trás dos protestos violentos.
"Sairei quando tivermos convocado as eleições gerais [...] Não tenho a intenção de permanecer no poder", disse Dina de maneira taxativa, acrescentando que o Congresso, "sem sombra de dúvida", confirmará em fevereiro a antecipação das eleições, previstas para abril de 2024.
"A única verdade, senhores do mundo e do Peru, é que houve um golpe de Estado em 7 de dezembro, um golpe fracassado", afirmou Dina. "A forma como Pedro Castillo saiu é uma forma de se vitimizar para dizer que houve um golpe de Estado - quando ele foi o autor do seu próprio golpe de Estado - e para não sair por pressão dos 57 processos fiscais que enfrenta por atos de corrupção", criticou.
"Era conveniente para Castillo dar um autogolpe de Estado, para se vitimizar e mobilizar todo esse aparato paramilitar e não responder ao Ministério Público pelos atos de corrupção pelos quais está sendo denunciado. Aqui não há nenhuma vítima, senhor Castillo, aqui há um país que sangra até a morte como resultado da sua irresponsabilidade", denunciou a presidente.
Dina, que participará remotamente amanhã de uma sessão perante a Organização de Estados Americanos (OEA), disse que sua intenção é "informar a verdade". "O governo peruano, muito menos Dina Boluarte, tem algo a esconder. Sempre falei a verdade, encarando meus irmãos e irmãs. São 50 pessoas mortas nesses atos de protesto, dói em mim, como mulher, mãe e filha", declarou.
Segundo autoridades dos transportes, 85 piquetes bloqueavam hoje estradas em 9 das 25 regiões peruanas que pedem a renúncia da presidente. Na região de Ica, a polícia usava gás lacrimogêneo para desbloquear trechos de rodovia que permaneciam fechados por dezenas de moradores.