Opinião

O futuro pode ser sombrio para o crescimento do ensino superior

"O Brasil ainda está muito longe da meta de crescimento de matrículas para o ensino superior prevista no Plano Nacional de Educação (PNE)". Leia a opinião de Mozart Neves Ramos

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MOZART NEVES RAMOS

Publicado em 04/10/2021 às 6:45 | Atualizado em 04/10/2021 às 9:06
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O Brasil ainda está muito longe da meta de crescimento de matrículas para o ensino superior prevista no Plano Nacional de Educação (PNE). Esperava-se para 2024 uma taxa líquida de matrícula (percentual de estudantes de 18 a 24 anos cursando esse nível educacional para o total dessa faixa etária) de 33% – e essa já era a meta do PNE de 2010! Atualmente, o Brasil tem apenas 21% de taxa líquida, muito abaixo da de países vizinhos, como Argentina, Chile e Uruguai.

É preciso reconhecer o esforço dos últimos vinte anos, em que o país mais do que triplicou o número de matrículas no ensino superior, alcançando a marca atual de 8,5 milhões. Boa parte desse crescimento se deu pelo setor privado, em decorrência da política de acesso por meio de financiamento público dos programas Fies e Prouni. Nos últimos anos, houve um nítido crescimento da modalidade de ensino a distância (EaD).

Por outro lado, muito se tem questionado a qualidade dessa oferta. De fato, o problema da qualidade já começa no ingresso. Um percentual importante de alunos ingressantes no setor privado de ensino superior não alcança o escore de 450 pontos no exame do Enem – nota abaixo da qual o aluno não obteria o certificado de ensino médio, conforme dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

Outro grave problema que afeta o crescimento do ensino superior no Brasil refere-se à alta taxa de desistência. Um estudo do Inep para monitorar todos os alunos ingressantes em 2010 mostrou que, ao chegar a 2016, ano em que presumivelmente todos deveriam ter concluído os estudos, 57 de cada 100 tinham desistido do curso superior – um exemplo absurdo de ineficiência do sistema! E essa ineficiência não é só do setor privado, mas também do público. No setor privado, a taxa de desistência é de 60%; no setor público federal, de 48%; e no estadual, de 42%. Alguém menos desavisado poderia de imediato pensar que isso decorre do ensino a distância. Ledo engano. A taxa de desistência no ensino presencial é de 56%, e no EaD é de 62% – portanto, não muito diferente.

Contudo, esse mesmo estudo revelou que os alunos que tinham financiamento por meio do Fies ou do Prouni apresentaram taxas de desistência bem menores, daí a importância de tais programas. O Fies, de fato, não tinha sustentabilidade, e virou uma grande bola de neve, saltando de 1 bilhão para 30 bilhões em poucos anos no orçamento do Ministério da Educação. No entanto, o Prouni, na minha opinião, é absolutamente sustentável, e deveria ser mantido. Agora encontra-se ameaçado pela reforma em curso imposta pela área econômica do governo. O futuro pode ser sombrio para o crescimento do ensino superior.

Mozart Neves Ramos é professor emérito da UFPE e catedrático da USP de Ribeirão Preto.

*Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

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