As mudanças politicas sempre se processam de forma desigual e se expressam, quase sempre, de forma contraditórias. A velocidade e as discrepâncias nos acontecimentos políticos no país andino, em um curto espaço dois anos, desmente qualquer visão cartesiana do que estava na acontecendo na realidade daquele País. Entre 2018/2019 o Chile foi sacudido por crescentes mobilizações com níveis altos de violência nas ruas, enquanto a Popularidade do Governo de direita liberal derretia. A retração das ruas foi conseguida com a intermediação do ex- líder estudantil e deputado Boric na negociação que resultou na convocação de uma Assembleia Constituinte exclusiva.
E aí começa os ziguezagues de todo esse processo No calor do “estalido” a Convocação para a Convenção que deveria banir os resquícios do Estatuto de Pinochet foi aprovado por 80% dos eleitores e 70% elegeram uma composição Constituinte independente dos partidos tradicionais , mesmo os de esquerda. Chamou atenção a grande inovação institucional com a pré-definição de vagas paritárias de gênero e o número de cadeiras pré- determinadas para os povos originários(indígenas). As ideias inclusivas pareciam absorvidas pelo conjunto da sociedade. Logo depois com o pleito presidencial e legislativo, mesmo com a vitória de presidente emergente das ruas, com conceitos de uma esquerda Pós-moderna; o Congresso eleito voltou ao leito da normalidade com os partidos tradicionais da direita e de Centro/esquerda.
A Constituinte exclusiva e independente passa a funcionar, como falam alguns analistas, em um “clima refundacional” e passa a legislar para “eles mesmos” , perdendo a visão do conjunto sociedade que já tinha refluído do ímpeto provocado pelos protestos. Mesmo produzindo boas ideais iluministas/contemporâneas os convencionais perderam a batalha da comunicação e foram vítimas, de um lado, de Fakes que distorciam o sentido das propostas e de outro, de seu próprio encasulamento e inexperiência legislativa.
A divisão entre os principais lideres da “Concertation” aliança de Centro Esquerda que governou o chile por 20 anos também contribuiu para o rechazo ao documento da Convenção. De forma resumida cabe destacar as propostas que a imprensa e especialistas destacam como os mais controversos e que deram margem as críticas mais persistentes ou a narrativas falsas que mexeram com a confiança da grande maioria dos Chilenos. Na definição do Estado Multicultural- uma ideia bem moderna, foi impregnada do temor do separatismo no Chile, mexendo com os brios nacionalistas da maioria. Uma Ameaça nada real, mas fácil de difundir narrativas falsas. Um artigo bem sensível para a classe média foi o que afirmava que `”que toda pessoa tem o direito de propriedade em todas as suas espécies”. Esse artigo provocou temor na classe média e muita discussão técnica entre especialistas sobre a natureza das indenizações.
Por outro lado, as propostas de aceitação tranquilas, como a implantação do Sistema Universal de Saúde ou o acesso a água foram obscurecidas por outras normas que aparentavam excessiva intervenção do Estado ou eram redigidas em uma linguagem excessivamente militante, sem preocupação com o sentimento raiz da maioria da população e com os efeitos da contra propaganda. As consequências políticas desse resultado serão imediatas. O presidente Boric reconheceu imediatamente a mensagem contundente das urnas o que provavelmente levará a mudanças no Gabinete com maior participação de líderes de centro-esquerda, com mais influência da velha Concertation , na configuração de um novo texto Constitucional.
Sociólogo, pesquisador do Centro Josué de Castro
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