Acontece muito nessa época do ano, mas também naquelas ocasiões especiais em que procuramos nos tornar presentes na memória de quem gostamos, como os aniversários. A verdade é que todos queremos nos eternizar. Imaginar que alguém vai se lembrar da gente o resto da vida faz parte do nosso desejo do eterno e nos reconforta, talvez mais ainda do que os que foram presenteados.
Daí enfrentamos o dilema e a dúvida: o que devo escolher, qual é o presente que fará alguém querido se lembrar de mim a vida inteira? Um desses presentes acho que está na memória de muita gente: a primeira bicicleta. Lembro dos meus pais carregando o segredo na madrugada da véspera e deixando a bike no meio da sala. Eu escondido espiando e esperando amanhecer para pedalar nas ruas de terra da infância...
Não é qualquer presente que embeleza as paredes de nossa memória dessa forma. Mas quero lembrar que há um tipo de presente que é o mais altruísta do mundo: o livro. Quando você dá um livro, pode até ser que a pessoa não lembre que você o deu, mas o livro irá ganhar vida própria na alma de quem o ler.
É o presente mais individualizado que existe, que vive nas memórias afetivas, imaginação e deslumbramento. É de cada um e somente de cada um. Sobra menos espaço para você, amigo. Haverá um pouco menos de recordações sobre aquele que deu o presente.
Acontece que o livro fala por si, narra sozinho e cria mundos onde o presenteado irá viver e sentir. Por isso, é um presente altruísta que beneficia mais o presenteado do que o presenteador.
É o único presente que aumenta de valor quanto mais velho. Ele marca existências, ajuda a definir quem somos. Como disse o estudioso, Antônio Cândido: o livro é o sonhar acordado das civilizações.
Não deixarei de dar presentes tradicionais, como as bicicletas. Afinal, quero exercer meu direito de ser egoísta e tentar (ah, como é difícil) oferecer presentes inesquecíveis. Não estou sugerindo que você deixe de fazer isso.
Porém, temos nos livros a oportunidade de contribuir com a transformação na vida dos outros sem a expectativa de que eles se lembrem. Isso é altruísmo. E aí, vamos exercitar o desprendimento do ego e presentear quem amamos com livros?
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R. Colini, escritor