Relacionamentos e felicidade

O envelhecimento começa no nascimento e requer cuidados em cada fase. Poderemos precisar do corpo por 100 anos e para isso devemos cuidar dele. Muitos dedicam horas da semana aos exercícios físicos, mas quanto tempo dedicamos ao aprofundamento dos nossos relacionamentos?
SÉRGIO GONDIM
Publicado em 20/01/2023 às 0:00
"Muitos dedicam horas da semana aos exercícios físicos, mas quanto tempo dedicamos ao aprofundamento dos nossos relacionamentos?" Foto: Treino correto


Em 1938 teve início o mais longo e profundo estudo sobre a felicidade humana. O Harvard Study of Adult Development, ainda em curso, tem produzido artigos e livros, inicialmente escritos a mão, datilografados, depois digitados a partir de questionários periódicos detalhados, prontuários médicos, incorporação da neuroimagem, da análise de DNA e até exame dos cérebros doados por participantes. Estão sendo acompanhados alunos da universidade e moradores de Boston, agora na terceira geração, observando desde os problemas da infância, os primeiros amores, até os dias finais.

Quem será octogenário ativo e vigoroso e quem envelhecerá mal, quais experiências na infância são mais preditoras de saúde na meia idade?

Ao longo do tempo, muitas conclusões estão sendo apontadas, entre elas a de que relacionamentos pessoais fortes fazem uma vida feliz, sendo mais importante do que a saúde física, o Q.I. ou a classe social. Ligações robustas determinam maior sentimento de preenchimento e realização. O sucesso financeiro depende mais do calor das relações do que da inteligência. A genética de longevidade tem importância, mas a satisfação com as relações se constitui um melhor preditor de boa saúde.

As pessoas com melhores relacionamentos vivem mais, são mais protegidas contra o estresse, depressão, declínio da memória e da linguagem. A qualidade dos relacionamentos e não o número de amigos no Facebook é determinante de felicidade. Foi demonstrado que a solidão é lesiva à saúde, à felicidade, à função cerebral, à longevidade e atualmente se constitui uma preocupação de saúde pública, agravada pela pandemia e paradoxalmente pelas redes sociais.

Foram observados detalhes interessantes como: os politicamente conservadores praticam sexo em média até os 68 anos. Os liberais se mantem mais ativos sexualmente aos 80. Uma relação calorosa com a mãe prediz maior eficiência no trabalho e mais 87.000 dólares por ano na conta bancária. O bom relacionamento com o pai é preditor de menos ansiedade no futuro, melhor aproveitamento das férias e maior satisfação com a vida aos 75 anos. Um casamento infeliz se relaciona com mais dor física e piora o ajustamento à aposentadoria.

O calor das relações ao longo da vida tem maior impacto no nível de satisfação geral.

Partindo dessas constatações, surge a reflexão sobre o quanto é importante investir nos relacionamentos com amigos, familiares, vizinhos, parceiros românticos, grupos comunitários e até na conversa amigável com quem quer que seja no dia a dia. Essa reflexão se torna mais importante em tempos de intolerância e ódio.

O envelhecimento começa no nascimento e requer cuidados em cada fase. Poderemos precisar do corpo por 100 anos e para isso devemos cuidar dele. Muitos dedicam horas da semana aos exercícios físicos, mas quanto tempo dedicamos ao aprofundamento dos nossos relacionamentos? Hoje, a atenção que deveria ser dispensada às pessoas é direcionada aos equipamentos eletrônicos.

Nesse início de ano, se vamos escolher algo para fazer investindo na saúde e felicidade, devemos encontrar tempo para nutrir e desenvolver relacionamentos, praticar a ginástica social com a mesma energia e tempo que reservamos para o exercício físico. Os introvertidos também têm vez, pois importante é a qualidade e não o número. Também não existe limite de idade para obter benefício. A vida social é um sistema vivo que precisa ser exercitado. Negligenciar as relações pode fazê-las atrofiar, tanto quanto os músculos, comprometendo a saúde e a felicidade.

Sérgio Gondim, médico

*Fontes: Harvard Medical School, Massachusetts General Hospital, The New York Times

 

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