OPINIÃO

Prerrogativas, advocacia e cidadania

O constituinte não à toa escreveu ser o advogado essencial; ele sabia perfeitamente o que estava a dizer...

Gustavo Henrique de Brito Alves Freire
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Gustavo Henrique de Brito Alves Freire
Publicado em 11/02/2023 às 0:00 | Atualizado em 11/02/2023 às 8:51
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Ordem dos Advogados do Brasil: por uma advocacia forte, com respeito às prerrogativas dos advogados - FOTO: DIVULGAÇÃO

Não de hoje, talvez como subproduto do mau exemplo de uma minoria, a advocacia sofre com a incompreensão. Quando o processo se arrasta ou quando a solução almejada não é a obtida ou quando o cliente é um personagem antipatizado, as situações que se somam para o referido resultado são díspares. Principalmente para a advocacia de natureza defensiva, a vida nunca é facilitada. Existe arraigada, nutrida pelo adubo da ignorância, a percepção em muitos de que há réus que não merecem ser defendidos. Assim como viceja a ideia distópica de que a advocacia é uma elite acessível apenas a quem possa lhe pagar.

O recente episódio do advogado Cristiano Zanin enquanto fazia a sua higiene bucal em um banheiro do aeroporto de Brasília e foi verbalmente atacado com xingamentos em razão da sua profissão é a ilustração mais recente dessa realidade cruel, com as pinceladas quentes da polarização política que, nas últimas eleições, extrapolou de todos os limites. Contudo, impõe-se repetir, o problema é antigo, de raiz cultural e não um fenômeno esporádico. O ofendido em questão teve proposto e aprovado desagravo público pelo Conselho Federal da OAB, instância máxima da entidade, e, em corroboração a ele, o protocolo de queixa-crime ao Judiciário, subscrita em causa própria e por outros. Providências, saliente-se, mais que cabíveis, não por "espírito de corpo" ou como sinalização confusa de desvio de finalidade por quebra da regra da impessoalidade, mas pelo imperativo de reafirmação do Estado Democrático de Direito, que encontra na figura do advogado sua sentinela.

Na obra "A defesa das prerrogativas da advocacia na prática", lançada recentemente pelo mesmo Conselho Federal da OAB em homenagem ao décimo aniversário da sua respectiva Procuradoria voltada  ao tema, é dito pelo Presidente Nacional em cuja gestão foi criado o referido órgão auxiliar, o membro honorário vitalício Marcus Vinicius Coelho, que "as prerrogativas são exercidas pelo advogado, mas pertencem aos cidadãos". A síntese é irretocável. Daí por que urgente que se culturalize que as prerrogativas dos advogados não são regalias, nem a advocacia uma casta, mas que a combinação coesa das duas é o único caminho possível que leva a porto seguro a procura por justiça.

As prerrogativas da advocacia - que, além disso, é múnus público e função social - vêm plasmadas, de modo central, mas não exclusivo, no artigo 7º da Lei nº 8.906/1994. Inserem-se no capítulo intitulado "Dos direitos do advogado", prérequisitos para que este venha a ser capaz de cumprir minimamente o seu papel constitucional. Abrangem da inviolabilidade do escritório ao exame de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, ao desagravo, incluindo, ainda, o uso dos símbolos privativos da profissão, entre outras. São no total vinte e um incisos. Só a referida lista diz bastante do relevo da advocacia. Andará bem o cidadão, do estudante à dona de casa, se puder fazer a leitura reflexiva desse dispositivo, não somente ao ter o seu direito aviltado.

A hostilidade decantada, seja em palavras ou através de gestos, contra o advogado que realiza, pois para isso estudou, qualificou-se e obteve a necessária habilitação, a defesa técnica do réu impopular iguala-se à mesma reação enfurecida contra o Estado-Juiz que decide em favor desse tipo de acusado, ainda que em sede preliminar (por exemplo, ao acolher alegação de cerceamento). No entanto, mesmo quem de modo irracional se conduz em relação a qualquer operador do Direito, se amanhã ou depois notificado de acusação criminosa ou se tiver a sua liberdade temporariamente constritada, correrá para constituir defensor inscrito na OAB e se submeterá ao devido processo legal. O constituinte não à toa escreveu ser o advogado essencial; ele sabia perfeitamente o que estava a dizer.

Sem uma advocacia forte, respeitada nas suas prerrogativas, que, repita-se, pertencem em última análise ao cidadão, não existe ordem social, mas balbúrdia; não existe justiça, mas a fogueira da inquisição; e não existe paz social, mas antes insegurança e anarquia. O raciocínio é tão democrático quanto o conceito. Vai de A a Z de Zanin. Que os intolerantes não se finjam de esquecidos disso.

Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado

 

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