OPINIÃO

A legislação penal brasileira (5) - A Lei que criou o Juiz das Garantias, com atuação exclusiva durante a investigação criminal

A maior e talvez a mais importante de todas as mudanças realizadas no processo penal brasileiro, está na criação do Juiz das Garantias, que passou a ter atuação jurisdicional durante toda a investigação criminal

Adeildo Nunes
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Adeildo Nunes
Publicado em 23/02/2023 às 0:00 | Atualizado em 23/02/2023 às 23:46
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A primeira regra jurídica introduzida com a reforma processual, diz respeito à definição de que o processo penal brasileiro passou a ter uma estrutura acusatória - FOTO: NE10

Como já salientamos em comentários anteriores, a Lei Federal nº 13.964, de 2019, a Lei Anticrime, que entrou em vigor em 23.01.2022 e que realizou uma profunda reforma no Código Penal de 1940, no Código de Processo Penal de 1941, na Lei de Execução Penal de 1984 e outras normas de natureza criminal, com evidência, certamente aprovou a mais radical de todas as alterações já produzidas na legislação penal brasileira, embora as mudanças realizadas no Código de Processo Penal sejam as mais significantes, não só porque inovou, sobremaneira, com a introdução de novos institutos de processo penal, como, também, porque elas de há muito eram reivindicadas pelos operadores do Direito.

Vale lembrar, porém, que o texto original de 1941 já havia sofrido necessárias alterações, mas nenhuma delas teve a profundidade alcançada com a vigência da Lei nº 13.964/2019, se bem que o ideal seria a aprovação de um novo Estatuto Processual, até porque, desde a sua publicação em 1941, os procedimentos originários e dedicados à investigação criminal e aos recursos judiciais, praticamente não sofreram as mudanças que são exigidas pela classe jurídica do país.

A primeira regra jurídica introduzida com a reforma processual, diz respeito à definição de que o processo penal brasileiro passou a ter uma estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação. Se antes o juiz criminal era autorizado a adotar iniciativas e editar decisões, sem provocação, na fase de investigação criminal e, às vezes, até atuando em situações jurídicas próprias do titular da ação penal (Ministério Público ou ofendido), essas possibilidades passaram a ser proibidas, significando que o juiz criminal só poderá atuar no processo se houver requerimento da autoridade policial, na fase de investigação, ou do órgão acusador, na fase probatória.

A maior e talvez a mais importante de todas as mudanças realizadas no processo penal brasileiro, está na criação do Juiz das Garantias, que passou a ter atuação jurisdicional durante toda a investigação criminal, com a finalidade de exercer o controle da legalidade e a salvaguarda dos direitos e garantias individuais do investigado, cujas prerrogativas principais passaram a ser: I - receber a comunicação imediata da prisão, nos termos do inciso LXII do caput do art. 5º da Constituição Federal; II - receber o auto da prisão em flagrante para o controle da legalidade da prisão; III - zelar pela observância dos direitos do preso, podendo determinar que este seja conduzido à sua presença, a qualquer tempo; IV - ser informado sobre a instauração de qualquer investigação criminal; V - decidir sobre o requerimento de prisão provisória ou outra medida cautelar; VI - prorrogar a prisão provisória ou outra medida cautelar, bem como substituí-las ou revogá-las, assegurado, no primeiro caso, o exercício do contraditório em audiência pública e oral; VII - decidir sobre o requerimento de produção antecipada de provas consideradas urgentes e não repetíveis, assegurados o contraditório e a ampla defesa em audiência pública e oral; VIII - prorrogar o prazo de duração do inquérito, estando o investigado preso, em vista das razões apresentadas pela autoridade policial; IX - determinar o trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento; X - requisitar documentos, laudos e informações ao delegado de polícia sobre o andamento da investigação; XI - decidir sobre os requerimentos de: a) interceptação telefônica, do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática ou de outras formas de comunicação; b) afastamento dos sigilos fiscal, bancário, de dados e telefônico; c) busca e apreensão domiciliar; d) acesso a informações sigilosas; e) outros meios de obtenção da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado.

Caberá ao Juiz das Garantias, com exclusividade, durante a investigação criminal, ainda, julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da denúncia, determinar a instauração de incidente de insanidade mental, decidir sobre o recebimento da denúncia ou queixa, assegurar prontamente, quando se fizer necessário, o direito outorgado ao investigado e ao seu defensor de acesso a todos os elementos informativos e provas produzidos no âmbito da investigação criminal, salvo no que concerne, estritamente, às diligências em andamento, deferir pedido de admissão de assistente técnico para acompanhar a produção da perícia e decidir sobre a homologação de acordo de não persecução penal ou os de colaboração premiada, quando formalizados durante a investigação.

Outras mudanças significativas foram aprovadas, agora estabelecendo que o preso em flagrante ou por força de mandado de prisão provisória será encaminhado à presença do juiz de garantias no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, momento em que se realizará audiência com a presença do Ministério Público e da Defensoria Pública ou de advogado constituído, vedado o emprego de videoconferência, bem como que se o investigado estiver preso, o juiz das garantias poderá, mediante representação da autoridade policial e ouvido o Ministério Público, prorrogar, uma única vez, a duração do inquérito por até 15 (quinze) dias, após o que, se ainda assim a investigação não for concluída, a prisão será imediatamente relaxada. Cumpre ressaltar que o prazo para a conclusão do inquérito policial, estando o investigado preso, é de 10 (dez) dias.

Lado outro, ainda sobre o Juiz das Garantias, a sua competência passou a abranger a sua atuação em todas as infrações penais, exceto as de menor potencial ofensivo, mas a sua jurisdição se encerra com o recebimento da denúncia ou da queixa. Recebida a denúncia ou queixa, todas as questões pendentes serão decididas pelo juiz da instrução e julgamento, sendo certo que as decisões proferidas pelo juiz das garantias não vinculam o juiz da instrução e julgamento, que, após o recebimento da denúncia ou queixa, deverá reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso, no prazo máximo de 10 (dez) dias. Outrossim, os autos que compõem as matérias de competência do juiz das garantias ficarão acautelados na secretaria do juízo, à disposição do Ministério Público e da defesa, e não serão apensados aos autos do processo enviados ao juiz da instrução e julgamento, ressalvados os documentos relativos às provas irrepetíveis, medidas de obtenção de provas ou de antecipação de provas, que deverão ser remetidos para apensamento em apartado, ficando assegurado às partes o amplo acesso aos autos acautelados na secretaria do juízo das garantias.

Em janeiro de 2020, todavia, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, liminarmente, suspendeu a vigência das regras aprovadas sobre o Juiz das Garantias, e desde então é aguardado o julgamento definitivo pelo seu plenário, o que não aconteceu até a presente data. Prosseguiremos sobre o assunto na próxima semana.

Adeildo Nunes, juiz de Direito aposentado, professor, advogado, doutor e mestre em Direito de Execução Penal

 

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