Bateu-me, de uns tempos pra cá, a pesada impressão de que já não alimentamos as mesmas crenças positivas e "esperançadas" na educação. E quanto mais "esperançamos" (!) parece que menos acreditamos (como aquelas promessas aos santos, nunca atendidas, que exigem um reforço multiplicado da própria fé, sempre insuficiente!). Essas crenças -em geral produzidas na Modernidade- viam especialmente em nosso "aperfeiçoamento" (expressão que tanto Rousseau quanto Kant utilizaram) um ideal moral e, por conseqüência, social, crenças intimamente ligadas a um conceito específico de "História" e de "Progresso". A França, por exemplo, mãe do republicanismo escolar, está fechando escolas; a profissão de professor encontra-se em franca desvalorização simbólica; não são de hoje os apelos para que os centros de educação desapareçam; multiplicam-se os processos formativos voltados para uma determinada - e fantasiosa!- idéia de mercado, propostos para acabar com a escola como instituição... E, no entanto, continuamos a insistir, em todo e qualquer discurso político (ou outro), que "Só a educação salva"! Uma insistência que, às vezes, parece ter o valor de um epitáfio!
O Mundo Antigo (Grécia e Roma) achava que seríamos salvos pela POLÍTICA (à exceção de Platão que queria salvar o Homem da Pólis); o Mundo Medieval achava que seríamos salvos pela RELIGIÃO; o início da Idade Moderna apostou suas fichas na CIÊNCIA e essa Ciência seria prioritariamente veiculada e ensinada nos recém-criados Sistemas Nacionais de Ensino (escola republicana). Para a Política, a educação exigia SABEDORIA; para a Religião, exigia VIRTUDE; para a Ciência, RAZÃO! Você, leitor(a), acha que depois da política, da religião e da ciência, nos resta o quê? No mundo em que estamos, quais de nossas qualidades morais ou intelectuais seriam exigidas por um novo modelo educacional? Tenho a impressão de que, já há algum tempo, estão a nos exigir habilidade, performance, esforço pessoal (meritocracia), eficiência, competitividade, competência..., mas, não canso de dizer, tudo isto são MEIOS (ligados ao FAZER) e a educação trata dos FINS (ligados ao SER): nossa época é aquela que substituiu os fins pelos meios, e Kant achava que toda vez que o homem fosse tratado como "meio" ele estaria no limite da indignidade moral e da servidão.
A educação moderna não pode ser compreendida, disse acima, sem uma certa noção de história como progresso, quer dizer, a invenção de uma "história" em que a utopia deixava de ser um LUGAR (uma ilha, por exemplo), algo a ser "encontrado" e passava a ser um TEMPO, algo a ser "construído" pela ação política dos homens. E como essa ação política exigia uma consciência dos fins e dos meios para alcançá-los, precisávamos de educação. Assim, o Progresso (na história) não seria apenas "aperfeiçoamento" institucional para assegurar felicidade ou liberdade, mas também aperfeiçoamento moral: nós nos tornaríamos "melhores"! O problema, claro, é que as noções de progresso, de utopia, de fim da história... perderam sua força de imantação e convencimento e o futuro não é mais o lugar da realização daquela utopia social do fim da "exploração do homem pelo homem": é o lugar do medo, da insegurança, da angústia...
Entendemos com relativa facilidade a ideia de uma "educação para a liberdade" (Paulo Freire), mas o que seria uma "educação para o medo" ou para a "angústia"? Para a liberdade eu supostamente preciso de um tipo de consciência (a "crítica"), de solidariedade, de capacidade de ação, mas para o "medo", do quê preciso? De "coragem"? E como se faz uma "educação para a coragem"?, pergunta que lembra aquela do Mênon (Platão) sobre "se a virtude pode ser ensinada".
De que tipo de inteligência nós precisamos para enfrentar o imprevisível, a insegurança, o sem sentido? Não sei! Mas percebo que esta insegurança atingiu também nossa inteligência, nossa capacidade de compreender e de dar sentido a eventos que não obedecem sempre a lógicas causalistas (de onde extraíamos "previsibilidade", coisa antes reservada aos deuses): estamos terceirizando a inteligência, tornada-a "artificial" e de onde esperamos que nos dê, com seus infinitos recursos algarítmicos, as "respostas" que precisamos ao nosso medo: a Razão, instrumento salvífico moderno, foi projetada num 'chip' e isso certamente exigirá da educação um outro projeto, outros "sujeitos", outra "consciência", outra "formação do educador" (se ainda continuar a existir!), projeto do qual desconheço completamente os pressupostos e, sobretudo, as consequências. Como educador que acreditou numa certa idéia de educação, tenho a clara sensação de que perdi a aposta. Azar o meu!
O poeta Ovídio (séc. I d. C.) dizia que "A única salvação dos vencidos é não esperar nenhuma!".
Flávio Brayner, professor Emérito da UFPE