E foi o gênio humano que produziu essa façanha. Se na pandemia da gripe espanhola de 1918 estima-se terem sucumbido 50 milhões de pessoas imunologicamente desprotegidas, a criação de vacinas contra a Covid em tempo recorde permitiu estancar precocemente o morticínio em 2021.
Existe, sim, uma tendência natural de diminuição, com o tempo, da agressividade dos vírus causadores de grandes epidemias. Mas há também robusta evidência científica da eficácia das vacinas na proteção contra formas graves da Covid. O que terá sido mais importante para brecar a pandemia? Aposto minhas fichas na vacina.
E quanto à sua segurança? Sim, há relatos de efeitos colaterais mais sérios, mas eles acontecem muito, muito raramente.
As informações divulgadas levianamente nas redes sociais escondem, de propósito, a lógica matemática mais simples: a probabilidade de se morrer ou ficar gravemente sequelado de Covid é milhares de vezes maior que a de se complicar seriamente da vacinação. O que você escolhe?
Jogando desmarcado, o vírus fez muitos gols na nossa meta, foi uma goleada humilhante. Finalmente conseguimos um volante marcador que anula o miserável e equilibra o jogo. Vamos, por opção, deixá-lo no banco de reservas?
(Como médico da linha de frente contra a pandemia desde o primeiro momento, considero inacreditável tantos já terem apagado de suas memórias as emergências caóticas, as UTIs improvisadas, familiares desesperados e desamparados, e más notícias todos os dias. Falta de ar e morte).
É delicado e constrangedor falar, mas quando sei de um colega médico aconselhando contra a vacinação, fico espantado, e me interrogo o porquê. Ora, se toda a evidência científica respeitável, a OMS e as autoridades sanitárias sérias do Brasil seguem recomendando as vacinas, em que os colegas baseiam sua contestação? Teorias conspiratórias malucas são um fetiche das pessoas em geral, mas médicos dos quais se espera um mínimo de formação científica e compromisso social não podem embarcar nesse delírio.
Os propagadores de fake news contra vacinas estão ganhando o jogo. Não só em relação à Covid, mas até os vírus da poliomielite e do sarampo estão tendo motivos para se assanhar, pela queda da cobertura vacinal contra eles.
Parece até que, lá no fundo, gostamos de viver perigosamente.
Os governos precisam, em todos os níveis, dar voz às autoridades sanitárias. Propaganda, sim, com investimento pesado, apelando a celebridades e influenciadores do bem. Não sejamos amadores.
Não nos permitamos andar para trás.
Alfredo Leite, pneumologista