Na noite de 30 de outubro de 1938, um domingo, centenas de americanos ouviam música pela rádio CBS quando a programação foi interrompido por uma notícia que se dizia urgente. Segundo a voz grave do apresentador, ocorreram explosões no planeta Marte, produzindo nuvens de gás que estariam se dirigindo à Terra. A música retornou à transmissão, até a programação ser interrompida por outra notícia: havia sido avistado um objeto estranho em um campo de Nova Jersey.
Cuidava-se, na realidade, de um rádio-teatro encenado pelo então jovem diretor Orson Welles, do romance de 1898 “A guerra dos mundos”, de H.G. Wells, sobre a invasão do planeta Terra por extraterrestres. Mas até ser conhecida a verdade houve muito pânico nas ruas.
O evento fez escola no Equador em 1949. Dessa vez houve pânico em massa na capital Quito, com gente aos gritos e tanques do Exército a caminho do combate aos “extraterrestres”. Quando a população se deu conta de que era uma peça de rádio, o medo se transformou em ira e a multidão invadiu a emissora de rádio, apedrejando e ateando fogo ao prédio. Seis pessoas morreram.
Fruto da mais desabrida ignorância ou da mais rasa má-fé, não existe outra explicação inteligível: as fake news são o inimigo mais letal da atualidade.
Recentemente, o ex-Presidente Jair Bolsonaro disse ter lido a bula da vacina imunizante anti-COVID-19 e que a composição incluiria “grafeno” que, segundo ele, se acumularia nos “testículos e ovários”. Posteriormente, se desculpou.
No palco internacional, imagens do ex-Presidente norte-americano Donald Trump sendo perseguido e recebendo spray de pimenta nos olhos por policiais da cidade de Nova York e do Presidente russo Vladimir Putin atrás das grades, com uniforme de presidiário, em uma célula de concreto pouco iluminada, também ganharam as redes sociais. Na verdade, porém, elas foram criadas por uma inteligência artificial. É a nova era das fake news.
Até o recente episódio envolvendo o submarino Titan, que implodiu em expedição turística ao transatlântico Titanic, rendeu noticiário fraudulento. Começou a circular dias depois da descoberta dos destroços um vídeo nas redes sociais que mostrava a tripulação do Titan se despedindo de seus familiares. Na suposta gravação, eles afirmavam que aquela seria a “última noite com oxigênio”. No entanto, o site Boatos.org conseguiu provar que o vídeo é falso.
A manipulação, como inúmeros especialistas vêm apontando, dá dinheiro e, convenhamos, ninguém quer perder dinheiro. Determinados conteúdos viralizam com facilidade, gerando acessos a determinados portais. Eles estão hospedados em sites que possuem anúncios remunerados, ou seja, quem hospeda esse conteúdo falso ou enganoso recebe por ele.
Veja-se outro exemplo recente, agora implicando a Fox News, canal de notícias dos EUA, que fez um multimilionário acordo (quase 800 milhões de dólares) com a empresa fabricante de urnas eletrônicas Dominion, exatamente por haver divulgado que a tecnologia desenvolvida pela mesma para o equipamento ajudou a fraudar as últimas eleições presidenciais, vencidas pelo democrata Joe Biden. A Fox, pasme-se, invocou em seu socorro a liberdade de expressão.
Pode aparentar que a gigante midiática saiu no lucro, mas não. Foi o valor mais alto já desembolsado para encerrar uma disputa do tipo, o que não deixa de ser uma admissão de culpa da emissora. Fora isso, nunca antes um esquema de fake news foi tão minuciosamente dissecado.
Daí a urgência na implementação de legislação para responsabilização das denominadas Big Techs da internet por conteúdos que espalham a desinformação e incitam ou fazem apologia da violência. O compartilhamento de notícias falsas, por que gera engajamento, é lucrativo. Não admira haja tanta resistência em passar esse tipo de regramento.
O Projeto de Lei 2.630/2020, por aqui no Brasil, precisa sair da gaveta, ser retomado e votado no Congresso. Mostra-se de evidente interesse público. O que não pode ser inofensivo é um gasto de dois milhões de dólares em anúncios publicitários contra o PL. Tem gato nessa tuba. Combater exitosamente as fake news deve deixar de ser uma questão comercial.
Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado