O professor e o traficante: diálogo

"Até quando, família Bolsonaro, abusarás de nossa paciência? Por quanto tempo tua loucura há de zombar de nós? A que extremos se há de precipitar a tua desenfreada audácia?" (Cícero, redivivo)
FLÁVIO BRAYNER
Publicado em 18/07/2023 às 0:00
O professor e o traficante: diálogo Foto: Thiago Lucas/ Design SJCC


O que há de perigoso em nossa profissão, que levou um maluco irresponsável a compará-l3a com traficantes? Que danado é esse tal de "professor doutrinador"? Como não posso perguntar diretamente a um traficante o que ele acha de tudo isso, imaginei um diálogo entre esses dois profissionais. Ei-lo:

Traficante pergunta, meio constrangido: - "Quer dizer que o Sr. é mais perigoso do que eu?".

Professor, com aparente tranquilidade: - "Calma Trafi, primeiro me responda que produtos supostamente perigosos o Sr. trafica?"

Trafi.: - "Besteira: um pozinho, uma ervinha, um craquezinho, um picozinho... Nada que aparentemente comporte o perigo de um professor-doutrinador!" Aliás, Prof., o que isso quer dizer?"

Prof: - "Não tenho a menor ideia: não sou contratado ou concursado para professar doutrinas, mas para ensinar um saber específico, no qual levei anos me formando, e fazer todo esforço para que meus alunos entendam e se apropriem desse saber".

Trafi: - "Já eu, Prof., faço algo muito mais simples: eu pego o produto com o fornecedor e levo até o consumidor, que fica muito feliz em me ver. Eu levo alienação, produzo zumbis humanos, paraísos artificiais, fabrico os dependentes da irrealidade, os viciados em desesperança, financio políticos - inclusive aqueles que dizem muita besteira-, formo grupos de extermínio, adoro milicianos, pratico extorsão, mato concorrentes... Coisa simples!"

Prof: - "Eu levo para a minha sala de aula outro tipo de coisa: levo realidade, cultura humana, humanização, esperança, diálogo, tolerância, formação profissional, capacidade de compreender o mundo e julgá-lo, ofereço um passado a meus alunos para que eles possam decidir o que fazer mais adiante...".

Trafi. - "Eu também adoro uma escola, sobretudo quando os alunos saem para comprar bombom na esquina. Temos sempre um agente nosso observando. Nosso trabalho começa com as crianças... Eu trabalho pra acabar com as pessoas, meu lema é inspirado nos heróis brasileiros, com uma pequena variação: DEPENDÊNCIA (do vício) E MORTE (violenta)"

Profi. - "Eu, ao contrário, trabalho com o inacabamento do Homem, com todos os horizontes que a esperança permite. Minha "doutrina" - se é que tenho uma- é a do Humanismo Crítico: acredito que o homem não alcançará nunca sua plena humanização, por isso ele pode ser livre para construir e reconstruir a si mesmo".

Trafi.: -"Eu aposto na dependência!"

Prof. _"Eu aposto na liberdade!"

Trafi.: -" Pô cara, tu é muito perigoso!"

Flávio Brayner, professor emérito da UFPE e Professor Visitante da UFRPE 

 

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