Nos dias 3 e 4 do corrente mês, em Salvador-BA, o Instituto Brasileiro de Execução Penal - IBEP, com o apoio do Tribunal de Justiça daquele Estado, juntamente com a sua Secretaria de Justiça e Cidadania e da Escola Judicial (Universidade Cooperativa), promoveram o I Encontro Internacional e o X Nacional de Execução Penal, reunindo os grandes pensadores da execução penal no Brasil e do exterior. Nomes como Carlos Ayres Brito, Salomão Shecaira, Rodrigo Roing, Geder Gomes, Vera Muller, Márcia Alencar, Carlos Japiassu, Alamiro Veludo e da professora portuguesa Anabela Miranda Rodrigues, da faculdade de Direito de Coimbra, entre outros importantes conferencistas, abrilhantaram certamente o maior de todos os eventos já realizados pós-pandemia do Covid, em todos os recantos do País. O Encontro foi realizado no auditório do Tribunal de Justiça da Bahia, com participantes presenciais e, também, de forma remota.
Durante o Encontro, como já era esperado, por unanimidade de pensamento, as péssimas condições físicas e materiais dos nossos estabelecimentos penais foram constantemente as mais citadas, sem contar que as vicissitudes do sistema punitivo brasileiro foram abertamente rediscutidas pelos presentes, numa demonstração clara e insofismável que os mesmos problemas desumanos que existem desde a independência do Brasil (1822) permanecem presentes no âmbito do sistema prisional brasileiro, nomeadamente no que diz respeito à ausência de vagas, a consequente superlotação carcerária, além da falta de assistência jurídica, material, à saúde e à educação aos presos, não obstante a conclusão elucidativa da "Carta de Salvador", divulgada no final do Evento, tenha expressamente propagado outros graves problemas que são próprios do cárcere, há muitos séculos, mas que continuam contribuindo para a desumanização da pena e para a indignidade humana, dando causa, no mais das vezes, à reincidência criminal em relação àqueles que cumprem a pena privativa de liberdade no Brasil.
As críticas construtivas em relação à irreal insistência nacional de que a prisão reduz a criminalidade e que deve ser aplicada em exaustão, porque "bandido bom é aquele encarcerado", foram demasiadamente utilizadas pelos palestrantes, principalmente, durante todo o evento, uma realidade que de há muito é apontada ao País, mas que não repercute nos anseios da comunidade política, a principal responsável pela construção, pela administração das prisões brasileiras e pela elaboração das leis. Continua imprescindível à União e aos Estados, com efeito, atentarem para as graves consequências da antiga e da atual situação carcerária, mormente pelo fenômeno da "dessocialização", ou seja, ao invés de ressocializar o preso, infelizmente, depois que ele passa pelo cárcere torna-se mais violento e carrega consigo o espírito de "vingança contra o Estado e contra a sociedade". Pelo contrário, desde há muito, a restrição da liberdade das pessoas deve ser utilizada, somente, em situações extremamente essenciais, tanto no que tange à prisão preventiva, como em relação à definitiva, decorrente de uma condenação.
Sempre houve quem defendesse como forma de apaziguar os cruciantes problemas carcerários do Brasil, a criação de um Conselho Nacional Prisional, nos moldes do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, que exercesse uma fiscalização direta sobre o funcionamento dos presídios do País, inclusive estabelecendo sanções administrativas aos responsáveis e funcionários vinculados ao sistema carcerário brasileiro, bem como a criação de um Ministério exclusivo junto ao presidente da República que gerisse o Fundo Penitenciário Nacional e realizasse um planejamento estratégico e eficiente, transformando o atual modelo prisional em outro que efetivamente cumpra a Constituição Federal, as leis federais e as estaduais que regulam o seu funcionamento. Criar - onde não existem -, e estruturar as secretarias estaduais de Administração Penitenciárias, com autonomia financeira e administrativa, é outra alternativa que certamente amenizaria os eternos problemas prisionais do País.
No final do evento realizado em Salvador, o Instituto Brasileiro de Execução Penal editou uma "carta", resumidamente pugnando: 1) O descalabro com a execução da pena, com a punição excessiva, com penas privativas de liberdade altas e o abuso das prisões preventivas, desembocam no aumento da criminalidade, desumanizando a pena e provocando uma dessocialização no recluso, contribuindo para a insegurança pública; 2) A Lei Antimanicomial (10.216/01) e a Resolução nº 487, do Conselho Nacional de Justiça, devem ser observadas pelos órgãos responsáveis pela execução da medida de segurança, ademais o instituto deve ser uma preocupação do sistema de saúde pública e não da persecução penal; 3) O aumento da oferta de trabalho e educação aos presos provisórios e já condenados, oportuniza a remição da pena e a queda dos índices de analfabetismo e de desprofissionalização entre os reclusos; 4) Os Decretos de Indulto, editados pelo presidente da República, devem ser proporcionalmente congruente com o tipo de ilícito penal cometido, mas, diferentemente dos últimos publicados, devem atingir um número de condenados que estejam aptos a retornar ao convívio social, sem mais delinquir; 5) Os serviços das Defensorias Públicas devem ser estendidos a todas as Comarcas do País, suprindo as deficiências atuais; 6) Criação de uma Central de Vagas Carcerárias, a partir do reconhecimento do "estado de coisas inconstitucionais" declarada pelo STF; 7) A compensação penal pelas prisões ilegais e abusivas; 8) Criação, por lei, de novas alternativas penais à prisão e uma nova dimensão para o cálculo da substituição da prisão por alternativas penais.
Estas, pois, foram algumas das sugestões apresentadas pelos participantes do Encontro Nacional de Execução Penal, recentemente realizado, que certamente chegarão às mãos dos verdadeiros responsáveis pela execução da pena e da medida de segurança no Brasil. Posso assegurar que o IBEP seguirá firme na sua antiga e atual trajetória no sentido de preservar a dignidade humana dos apenados, a igualdade de todos perante a lei, comumente cobrando e exigindo o fiel cumprimento da Constituição Federal e da Lei de Execução Penal.
Adeildo Nunes, juiz de Direito aposentado, professor, mestre e doutor em Direito, advogado criminalista, sócio do escritório Nunes & Rêgo Barros - Advogados Associados, ex-presidente do Instituto Brasileiro de Execução Penal-IBEP