Nos dias atuais, relacionar humor à política é uma heresia enorme. A experiência demonstra que, somente a mordacidade, a sátira, daria alguma graça ao espetáculo circense da antipolítica. Os sentimentos que prevalecem em relação aos “atores” são de rejeição, ressentimento, raiva, no mínimo indiferença ou, nos extremos ideológicos, o fanatismo com o forte tempero da bajulação.
As circunstâncias históricas deram um tom raivoso, odiento sobre, pasmem, os escolhidos como nossos representantes. Porém, o ambiente, ainda que com certa hostilidade, nunca chegou, como agora, ao “horror político”, alimentado pelo humor cáustico, em pílulas digitais, tendo como fonte inesgotável a natureza humana e sua capacidade de ser razão do ridículo e da satisfação do riso.
Nos círculos do poder, o humor se manifesta ora como virtude, senso de humor, ora como um risco permanente de produzir cenas patéticas que, somente, os poderosos são capazes ser, ao mesmo tempo, autor e vítima do bizarro.
“Não se leve muito a sério”. Mais do que um conselho esta advertência é uma lição de sabedoria. Soma leveza, uma das “Seis propostas para o próximo milênio” (Companhia das Letras, 1990 – O autor faleceu antes de pronunciar as palestras) à seriedade. E inspira a definição de senso de humor.
Na vida pública, em especial, o senso de humor é a virtude-chave para enfrentar crises recorrentes. Elas entram no gabinete da Excelência com um tamanho gigantesco e saem reduzidas e, muitas vezes, resolvidas.
No primeiro impacto, é fundamental não entrar no clima. Arrodeia. Puxa por um assunto capaz de baixar o ímpeto da adrenalina. Em seguida, deixa que o suplicante esvazie a cabeça cheia de problemas para dividir com ele as alternativas de soluções, se houver.
Assim se tratam assuntos com seriedade o que não se confunde com sisudez, a máscara da hipocrisia. O sisudo tem por hábito esconder por traz da cara fechada de brabo, muita sacanagem. E se acha o cara mais honesto do mundo; declama loas à moralidade e, na verdade, é um grande sacana. O rigor da sisudez é um mecanismo de defesa que alimenta mitos e encobre grandes mentiras interiores
De um deles, ouvi uma sincera confissão em virtude da Lei 6091 de 15 agosto de 1974 – Lei Etelvino Lins que adotava providências moralizadoras sobre a oferta de transporte e alimentação aos eleitores. “E agora, Deputado, está mais difícil “comprar” voto no “curral”! Ele, calmamente, respondeu: “Tô tranquilo. Não compro, vendo”. Naquele tempo, não se comprava por atacado. Era um modesto varejo.
Em matéria de situações risíveis, fui plateia, testemunha e vítima. Teria uma penca da causos, mas prefiro uma prosa privada. No meu caso, não me faço do rogado. Foi na festa de inauguração da urbanização do Sítio das Palmeiras (invasão na época da revolução cubana. O nome original era “Cuba” e o líder comunitário atendia pelo apelido de “Fidel Castro”, mas em 1964, o povo que não é besta mudou os nomes).
De fato, era um lugar paupérrimo porém com uma liderança aguerrida, um freirinha quase santa que mantinha um coral chamado “os canarinhos”. Tomei a decisão, com os recursos do antigo Banco Nacional de Habitação, de urbanizar a área - saneamento e ruas calçadas - ampliar a escola, construir posto de saúde e creche. Várias vezes visitei as obras e criamos com a comunidade laços de compromisso e de afeição.
Pois bem, para a festa de inauguração, além de deputados, vereadores, o governador Marco Maciel, convidei e providenciei transporte para vários amigos que moravam nos bairros elegantes do Recife.
Palanque e ruas lotadas, e o locutor de nome e voz inesquecíveis, Hildebrando Hidelfonso, entrava em êxtase nessas ocasiões: falava, gritava, berrava e, naquela bela noite, achou de anunciar as autoridades, despejando todos os adjetivos que conhecia.
De microfone em punho, deitava falação: “está chegando o vereador, dizia o nome e tome qualificações - impoluto, trabalhador, honesto, sincero, grande orador”. Cumprimentado as pessoas, abraçando os eleitores e pensando que estava abafando, fui o último a ser anunciado.
Hidelbrando, a pleno pulmões, berrou: chegou o grande Prefeito, desfiou um rosário de adjetivos, esgotou o estoque, e, exatamente, quando eu ia subindo no palanque, ele concluiu com a seguinte frase: “É ele, e ele, o Prefeito, Gustavo Krause, um homem, um homem - faltou adjetivo, aí ele concluiu com toda força: Um homem de alta periculosidade!!!!
Gustavo Krause, ex-governador