Qualquer guerra carrega consigo, de enxurrada, uma plêiade de sofrimentos e traumas, portanto, nenhuma é verdadeiramente justa, até porque toda ela é um crime, cuja vítima acaba sendo o conjunto da humanidade.
Atribui-se a Trotsky a frase segundo a qual, por mais que tentemos ignorar a guerra, um dia certamente ela nos interessará. Arrisco a interpretação dos dizeres trotskyanos de que é impossível fingir que uma guerra não acontece. De resto, creio que guerra alguma "convém", e, nessa amplitude, guerra alguma deve "interessar".
Desacredito da guerra como mal necessário para o que em língua inglesa se intitula "the greater good". Guerra é no seu DNA sinônimo de destruição, e, assim, do voluntarismo para destruir, atingindo, inclusive, inocentes, aí inclusas crianças, não há como racionalmente se decantar qualquer essência positiva ou edificante ou transformadora. Guerra é o horror do homem infligido ao próprio homem.
Os franceses justificaram 1914 referindo-se à injustiça suportada em 1871. Hitler citou o humilhante Tratado de Versalhes, ao final da Primeira Guerra para convencer os alemães a embarcar na Segunda. Depois desta última, os franceses, vítimas da brutalidade nazista, atacaram e até torturaram civis na Indochina e Argélia. Nada é capaz de impedir uma vítima de se tornar, mais tarde, uma agressora. A memória do genocídio judeu pulsa em Israel, mas os palestinos, por sua vez, também se dizem vítimas de injustiças históricas.
O chamado "Direito da Guerra" se subdivide em duas vertentes. A primeira é o "Jus ad Bellum", o direito de fazer a guerra, com base em determinadas justificativas. Já a segunda vertente é o "Jus in Bello" ou direito humanitário. O propósito central do "Jus in Bello" é amenizar o sofrimento das guerras. Para isso, as partes de um conflito bélico devem respeitar as Convenções de Genebra.
A Convenção de Genebra reúne, na realidade, tratados assinados entre 1864 e 1949 que visavam cuidar dos civis nos períodos de conflito armado. A convenção está intimamente ligada à origem do Direito Humanitário, que adveio da obra "Memórias de Solferino", de Henri Dunant. Nela, o autor descreve a realidade dos soldados da Batalha de Solferino (1859). Finda a qual, ele, Dunant passou a trabalhar pela formação da Cruz Vermelha.
A Primeira Convenção concentra-se em medidas de proteção aos soldados feridos em combate. A segunda se destina à proteção de náufragos e militares feridos durante as guerras marítimas. A terceira se relaciona aos prisioneiros de guerra. A quarta, à proteção dos civis em tempos de guerra. As convenções estão em vigor desde 1950. Atualmente, 194 países as ratificam.
A guerra, em última escala reflexiva, é sempre uma derrota, como afirmou recentemente Sua Santidade, o Papa Francisco, complementando as palavras no sentido de que, afinal, ela não conduz, como o terrorismo, a solução alguma, apenas à morte e ao sofrimento de inocentes.
Não apenas estão em guerra israelenses e palestinos, mas, olhando o mapa mundi, Ucrânia, Síria, Iêmen, República Democrática do Congo, Afeganistão, Sudão do Sul, Mianmar, Etiópia, Haiti. Os conflitos são promovidos por países, governos autoritários, movimentos revolucionários, grupos extremistas, tendo como pano de fundo rivalidades étnicas, crenças religiosas, disputas territoriais, interesses econômicos, motivos políticos. A guerra é também isso: um fenômeno complexo.
Compartilho da percepção do Papa. Toda guerra, não importa como tenha começado, é uma derrota efetivamente. Uma derrota da vida, da convivência, da harmonia, da paz, da estabilidade política, do mundo do trabalho, da produção de alimentos, do fornecimento de água, da geração de energia, da oferta de serviços essenciais. Não há guerra santa nem justa nem boa. Toda guerra é um crime.
Concluo citando o historiador grego Heródoto (484 a 425 a.C.), pai da Filosofia: "Em época de paz, os filhos enterram os pais, enquanto em época de guerra são os pais que enterram os filhos".
Que o diálogo e o entendimento em algum momento prevaleçam como pedras de toque, na lembrança de que o planeta é um só e que, destruindo-o ao destruírem-se, os conflitantes levarão um dia a que não sobre mais ninguém.
Gustavo Freire, advogado