Escrever – com propósito e forma razoáveis, não o ditar desengonçada prosa ao léu – é, mesmo, difícil tarefa. Mas linguagem é, sempre, coisa prazerosa. De repente, ditos rondam a cena. ‘Esse sujeito é mais comprido do que um dia de fome’. “Aquele não consegue escrever um ‘O’ com uma quenga”. E aquela máxima aproveitada (na prática política) por gregos e troianos: ‘O Brasil tem um enorme passado pela frente’ (Millôr Fernandes) – uma das pérolas do ‘Filósofo do Méier’, e hoje com frequente presença no planeta Internet.
As duas primeiras máximas eram de corriqueiro uso por meu pai, nascido na minúscula, árida Soledade (PB) – maravilhoso nome para um torrão seco, com açude cuja perenidade é a da ausência de água. Esse dito da fome é, para mim, a descrição mais fiel do que significa, para uma pessoa, não ter o que comer. Coisa de quem, de fato, passou fome: ao final de fru$trada jornada, tente dormir ‘para enganar a fome’ e veja quão comprido é o dia. O segundo, meu pai dedicava aos iletrados ‘doutores’ – incluídos egressos de universidades – que insistiam (insistem) em deszelar a Língua-Mãe, maravilha que inclui a linguagem popular, entidade sagrada, bem inserida no contexto próprio e consagrada por todos. Da UFPE, por exemplo, podem ser extraídos alguns achados: comum o tratamento oficial de “Profo” ao masculino, em contraposição aos corretos “Prof.” e “Profa.”. E o estudante que, em uma prova, tasca o “Encontra partida...,” no lugar de “Em contrapartida,...”. Exemplos pitorescos abundam, na Academia e alhures. Há algo errado na educação brasileira, incluída a falta de interesse por leitura entre cidadãos que lograram ter a oportunidade de chegar à escola e eventualmente completar a escala até a formação universitária, ou a uma boa formação técnica...
O terceiro dito – sobre a primazia do passado – é, desgraçadamente, dotado de perenidade e renovável prazo de validade. Não morre, está sempre aí, não importam os laivos de progressos econômico, social, tecnológico, ecológico, cultural desta desengonçada Nação.
Pois é, como se não bastasse, lá vem – em contexto de algo que, aqui e acolá, parece imperativo do passado e do atraso – uma “novidade”: “janonismo cultural”. De que diabo se trata, a ponto de “merecer” um livro (e-book), lançado em 2022? O autor de “Janonismo Cultural: O uso das redes sociais e a batalha pela democracia no Brasil” é André Janones, deputado federal (partido: Avante), tornado notório por destacado papel na “guerrilha digital” das redes sociais. Ele próprio, um influenciador (“influencer”) com “milhões de seguidores” – no alfabeto dessa malfadada trincheira. Desistiu de pretensa candidatura própria à presidência e passou a apoiar a campanha do presidente que viria a ser eleito. Conduziu virulenta oposição ao polo da extrema-direita, liderada por um mestre na tática de “fake news” e ofensas pessoais, com eventual tempero de termos de baixo-calão. Troco na mesma moeda, preferencial via de comunicação entre tais simétricos extremos, não importam considerações éticas e morais com respeito a “práticas democráticas”.
Pois é, eis que o deputado Janones está agora seriamente envolvido em denúncia de prática de “rachadinha”, para captação de parte do salário de assessores. Prática que, conforme atesta Pedro Dória, é tão antiga que dá dó. Para quem gosta de um pouco de pimenta no cardápio oferecido nas redes sociais, “terra sem lei”, há quem proteste contra o viés ofensivo ao feminino, associado a “rachadinha”, dizendo que – no caso – se trata mesmo é do “rachadão do Janones”...
O cenário, em termos globais, não é animador. Considerados três países, hoje com presença destacada na mídia mundial – EUA, Brasil e Argentina –, o exercício da política se nivela por nível quase pornográfico. O que seria alternativa aos dois extremos não consegue ser algo competitivo. Como se hão houvesse espaço para embate fora da política chã centrada nas redes sociais. A própria mídia, a exemplo da TV brasileira – sucumbindo ao modo pastelão, a indução à gargalhada fácil, artificial, e a novelas ‘escândalo e violência à John Woo’, teatro medíocre –, busca concorrer com as redes sociais. Sim, a era da microeletrônica – que tanto progresso traz – deixa horrendo efeito colateral. Condena o ser humano a um quotidiano de submissão ao celular, ao espetáculo e à felicidade artificial, e a ser fonte primordial para alimentar ameaças à democracia, “em nome da democracia”. Algo que alcança dimensão suficiente para rachar a sociedade em virtualmente duas bandas. Quem sabe, reze: o homo sapiens ser capaz de reagir e mudar o rumo da coisa...
Tarcisio Patricio, doutor em Economia. professor da UFPE aposentado