OPINIÃO

O juiz das garantias e a recente decisão do Supremo Tribunal Federal

A maior de todas as mudanças – no campo do Processo Penal Brasileiro – deu-se com a criação do juiz das garantias

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Adeildo Nunes

Publicado em 04/01/2024 às 5:00
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Com a aprovação da Lei Federal nº 13.964, de 2019, que entrou em vigor em 23.01.2020, deu-se uma profunda reforma no Código Penal Brasileiro de 1940, no Código de Processo Penal de 1941, na Lei de Execução Penal de 1984 e em outras tantas normas penais que efetivamente necessitavam de mudanças.

Pode-se afirmar, por isso, que ao longo dos últimos 50 (cinquenta) anos, foi a Lei nº 13.964/2019 quem realizou a mais arraigada reforma nas nossas leis penais. Algumas dessa mudanças realizadas pelo Congresso Nacional, porém, foram elogiadas por grandes penalistas de renome, mas houve quem oferecesse críticas a algumas mudanças pontuais, o que é bastante natural, até porque a Lei nº 13.964 criou novos conceitos e institutos criminais que de há muito estavam sendo discutidos no Parlamento.

A maior de todas as mudanças – no campo do Processo Penal Brasileiro – deu-se com a criação do juiz das garantias, cuja atuação jurisdicional se desenvolve com a instauração da investigação criminal e termina, somente, depois de recebida a denúncia ou a queixa, quando os autos devem ser encaminhados ao juiz criminal, a quem competirá instruir e julgar o processo, seja absolvendo, seja condenado o acusado da prática do ilícito penal.

Condenado definitivamente o réu, nasce o processo de execução criminal, que deve tramitar na Vara de Execuções Penais dos Estados, de acordo com o seu Código de Organização Judiciária. Se, contudo, o réu tiver que cumprir a sanção penal em estabelecimentos penais federais, caberá ao juiz Federal competente realizar a execução.

A finalidade número um para a criação do juiz das garantias, foi lhe conferir a tarefa jurisdicional de exercer o controle direto em relação à legalidade da investigação criminal, o que antes não existia, pois o juiz criminal só atuava durante o inquérito, se houvesse provocação por parte da autoridade investigativa ou do Ministério Público. É verdade, antes da existência do juiz das garantias, o magistrado se mantinha quase que equidistante do que efetivamente ocorria na fase de investigação criminal.

Outra finalidade do juiz das garantias, está na sua participação ativa, na investigação, com o intuito de preservar e salvaguardar o conjunto de direitos e de garantias constitucionais, que estão previstos em várias normas da Constituição Federal, que infelizmente não eram concebidas na prática.

Ocorre, todavia, que no início de janeiro de 2020, antes mesmo da vigência da Lei nº 13.964/2019, o ministro Luiz Fux, liminarmente, suspendeu os efeitos de todas as normas relativas ao juiz das garantias. Num julgamento de mérito que perdurou durante 4 (quatro) sessões, o plenário do Supremo Tribunal Federal, em 23.08.2023, fundou o julgamento de mérito de várias ações diretas de inconstitucionalidade que tramitavam na Corte, de uma vez por todas declarando, inicialmente, por maioria de votos, a constitucionalidade das regras constantes do Código de Processo Penal que tratavam da matéria, embora ao final do julgamento tenha feito algumas ressalvas que devem ser seguidas pelos operadores do Direito.

A primeira delas, disse respeito ao estabelecimento de um prazo de 12 (doze) meses, prorrogável por até mais 12 (doze) meses, para que os tribunais do país criem, efetivamente, por regra procedimental, a figura do juiz das garantias.

Outrossim, a atuação do juiz das garantias só pode ser realizada até o recebimento da denúncia ou da queixa. O juiz das garantias, na visão do STF, não atuará nos crimes de competência do Tribunal do Júri (homicídio, suicídio, infanticídio e aborto, consumados ou tentados, desde que na forma dolosa), nem tampouco naqueles delitos que digam respeito à violência contra a mulher, mas poderá exercer a sua jurisdição nas investigações criminais relativas aos crimes eleitorais.

Decidiu o STF, ainda, que o juiz das garantias terá 10 (dez) dias para remeter os autos do processo ao juiz criminal. Se por decisão do juiz das garantias houver sido decretada a prisão preventiva do acusado, o juiz criminal deverá reanalisar se continuam ou não presentes a necessidade e os pressupostos
para a custódia provisória do réu.

Seja o juiz das garantias, seja o juiz criminal ou da execução penal, pela decisão do Supremo Tribunal Federal em agosto/2022, todos ficam proibidos de realizar acordos com órgãos de imprensa, relativamente à operações policiais ou judiciais.

O juiz das garantias, nesse sentido, foi um grande avanço para a preservação dos direitos e garantias individuais constantes da Constituição Federal, com a virtude de dividir a jurisdição penal brasileira: um magistrado atuará na fase de investigação criminal, outro no âmbito do processo penal e, finalmente, um outro no processo de execução penal, uma conquista da democracia brasileira.

Adeildo Nunes, juiz de Direito Aposentado, Professor, Mestre e Doutor em Direito de Execução Penal, sócio do escritório Nunes, Siqueira & Rêgo Barros

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