OPINIÃO

A maré da paz

O desafio é de não se comportar como maré grande furiosa e impiedosa, nem como maré seca acovardada.

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SÉRGIO GONDIM

Publicado em 19/01/2024 às 0:00 | Atualizado em 19/01/2024 às 10:42
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Não sou fã da maré grande. Para mim expressa uma certa arrogância, exibição de força e músculos, como quem desfila com o peitoral hipertrofiado abrindo o caminho e pensando que todo mundo gosta. Parece querer intimidar, bate nos arrecifes espumando com raiva, esmurra a areia com força, antes de acertar o queixo de alguém. A maré alta ameaça e muitas vezes invade ruas e casas. Verdade que geralmente apenas recupera o que lhe foi tomado, mas as vezes o faz de forma injusta, pois vai buscar dos mais fracos e desprotegidos que estavam recuados em seus devidos lugares.

No último ano, o mar se revoltou com a sujeira e contra-atacou indignado. Devolveu com força. Junto com o lixo enviou caravelas para queimar quem encontrasse, sem distinguir os inocentes. Ordenou um batalhão de tubarões para contra-ataques pontuais. Nesse caso o mar teve toda razão para revidar, mesmo sabendo que o problema não é devolver o lixo e sim educar quem suja.

Por outro lado, também não sou admirador da maré baixa que desenterra o sargaço, recebe o lixo passivamente, expressa excesso de timidez e vulnerabilidade. Se mostra frágil ao recuar.

Nem tanto nem tão pouco, bom mesmo é a maré morta. Quando chega a maré morta é como matar a saudade, a tristeza ou o mal pela raiz, deixando claro que nem toda morte é ruim. Ao quebrar, esconde a sujeira, educa, mostra aos que não se importam com o meio ambiente como é melhor a praia limpa.

A maré morta é conciliadora.

No último ciclo, ao quebrar, como um milagre, da noite para o dia enterrou o sargaço, limpou a praia e devolveu a beleza, ao menos por um dia. Humildemente, mas sem baixar a cabeça, acolheu a todos para o banho morno nas águas claras, uma lição de paz, respeito e harmonia.

Se a maré morta foi capaz, dá para pensar em solução para as bandas do Mar Morto. Como combater os monstros das profundezas do mar sem matar as lagostas, golfinhos e siris? Existem monstros dos piores e só quem não teve os filhos atacados por eles na balada é capaz de relativizar seus atos bárbaros. O esgoto do mundo entrou no mar em momentos de maré seca, distraída, sabendo que a preamar viria furiosa. E veio. Destruiu casas, ocupou território, expulsou moradores e matou. Provocou reações indignadas, curiosamente mais de quem não reagiu, apenas contemplou o terror da madrugada.

O desafio é de não se comportar como maré grande furiosa e impiedosa, nem como maré seca acovardada. Encontrar os monstros do mar, mobilizar o mundo contra eles, ir à luta, mas organizar o convívio pacífico entre os povos.

O segredo pode estar na quebrada da maré, pela paz no mundo.

Sérgio Gondim, médico

 

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