OPINIÃO

Aprendizado baseado em projetos

As escolas de educação básica do Brasil priorizando o processo de preparação para o ENEM, limita e inibe a prática do PBL. O processo de avaliação para admissão em universidades precisa ser redefinido.

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EDUARDO CARVALHO

Publicado em 19/01/2024 às 0:00 | Atualizado em 19/01/2024 às 10:41
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O mundo competitivo global, em intensa mudança e com elevado grau de incerteza, requer profissionais com caráter e competência profissional, além das habilidades denominadas do século 21. As referidas habilidades compreendem, essencialmente, aprender a pesquisar, analisar e usar informações de várias fontes; trabalhar colaborativamente; ter visão sistêmica e capacidade para resolver problemas, com pensamento crítico e criativo; comunicar-se globalmente, usando várias mídias e tecnologias; equilíbrio emocional; e capacidade de aprender a aprender continuamente.

Para preparar crianças e jovens para se tornarem profissionais qualificados, as escolas de educação básica e universidades precisam ter um processo de ensino-aprendizado utilizando a abordagem "Project Based Learning - PBL" (Aprendizado Baseado em Projetos-ABP). Nesse processo o aprendizado acontece através do engajamento dos estudantes na elaboração de projetos para solucionar problemas reais que, na maioria dos casos, contribuem para melhorar a comunidade em que vivem e no mundo.

Inicia-se com os estudantes se desafiando através de questionamento, definido em grupo, que fundamenta a instrução em um cenário do mundo real. Eles podem considerar um artigo de jornal, um vídeo, um problema colocado por um grupo político ou de ação cidadã.

O processo de indagação continua com o exercício do pensamento crítico, criativo e sistêmico para responder a cada pergunta. O ambiente da sala de aula precisa ser adequado para essa prática e o processo, orientado pelo professor. O brainstorming de perguntas precisa convergir para uma pergunta chave ou a formulação clara de um problema que vai inspirar a elaboração do projeto.

Os projetos têm vários formatos. Os estudantes podem explorar questões (o que é uma comunidade saudável, o que é uma cidade sustentável, o que é uma nação próspera). Podem também pesquisar sobre um caso ou fenômeno da natureza que impacta uma nação e/ou o mundo (guerra da Rússia/Ucrânia, corrupção no Brasil, desmatamento no mundo, mudança climática, pandemia); aprofundar reflexão/discussão sobre dilemas (éticos, políticos, profissionais); resolver problemas comunitários (poluição sonora, sujeira em canais e rios, inundação em ruas e bairros, transporte público precário, insegurança pública). No ensino universitário podem elaborar e discutir casos sobre problemas organizacionais, políticos, econômicos, sociais, ambientais.

Para atender às demandas do padrão curricular, os projetos precisam contemplar o aprendizado do conteúdo exigido nas disciplinas. Podem ser multidisciplinares ou interdisciplinares. É importante que os estudantes interajam com profissionais das áreas que estão pesquisando e/ou visitem empresas, museus, comunidades. Enfim, contatos que podem enriquecer o projeto. Nem todos os projetos resultam em um relatório escrito. Podem ser apresentados em vídeos, portfólios, podcasts, sites, músicas, poemas, peças de teatro.

Além das demandas do mundo do trabalho, o processo que o PBL cultiva é útil para a vida em geral. No cotidiano, as pessoas resolvem problemas de vários níveis de complexidade. Planejam festas, casamentos, viagens, aquisição de bens. Como cidadãos responsáveis, precisam analisar os problemas que afetam a comunidade, o país, avaliar as fontes de informações e decidir em quem votar. Um grande projeto pode ser transformador para os jovens. Visualizar um impacto no mundo real lhes dá um senso de agência e propósito.

O PBL ganhou tamanha importância no processo de aprendizagem quando educadores de todos os continentes formaram uma rede chamada "PBL World". Essa rede é representada por uma organização sediada nos EUA, dedicada a aprofundar pesquisas sobre o processo, promovendo treinamentos, inclusive conferência global.

A abordagem fundamenta sistemas de ensino de referência mundial como os que são praticados nas nações melhor classificadas no OECD/PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos). Como exemplos, destacamos os programas da IB World School sediada na Suiça , Studio Schools no Reino Unido, Buck Institute e High Tech - High Touch nos Estados Unidos. As melhores universidades do mundo elaboram casos, que são discutidos com estudantes de várias turmas, gerando aprendizados relevantes sobre as causas do sucesso e do fracasso das organizações, entre outros temas, tornando o ensino e aprendizagem motivadores por tratar de situações que, de fato, ocorreram ou estão ocorrendo.

O PBL emerge como uma abordagem transformadora na educação, redefinindo a maneira como os estudantes aprendem e os professores ensinam. Seu impacto positivo no engajamento, desenvolvimento de habilidades e preparação para o mundo real destaca sua importância. Ao adotá-lo, educadores e instituições estão contribuindo para a formação de indivíduos mais preparados, críticos e colaborativos, prontos para enfrentar os desafios do mundo.

As escolas de educação básica do Brasil priorizando o processo de preparação para o ENEM, limita e inibe a prática do PBL. O processo de avaliação para admissão em universidades precisa ser redefinido.

Eduardo Carvalho, Harvard University Fellow

 

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