OPINIÃO

Cardeal Dom Tolentino

No Brasil, hoje, (Jorge de) Jesus é Deus. Os amigos de Dom Tolentino são bem mais modestos. Não querem que ele seja Jesus nem, muito menos, Deus. Para nós, basta que um dia ele seja Papa.

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JOSÉ PAULO CAVALCANTI FILHOjp@jpc.com.br

Publicado em 26/01/2024 às 0:00 | Atualizado em 26/01/2024 às 11:46
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Dentro de cada cidade há duas cidades. Uma feita de arquitetura, museus antigos, museus do presente (supermercados), igrejas, praças, rios, mares. Carlos Pena Filho até diz isso (em Olinda) com extrema beleza

Olinda é só para os olhos.

Não se apalpa é só desejo.

Ninguém diz é lá que eu moro.

Diz somente é lá que eu vejo.

Só que, por dentro desta cidade dos cartões postais, há uma outra cidade feita de gente. E o mesmo ocorre com os homens. Que, em cada um, há dois. O primeiro com medalhas, currículos, cargos, o poder; enquanto, dentro dele, habita um homem comum que sofre as injustiças do mundo, chora, sonha, tem esperanças. Trata-se do "homem interior", a que se refere Dom Tolentino quando cita Sto. Agostinho (em De vera religione).

O cardeal Dom José Tolentino Mendonça foi distinguido como Doutor Honoris Causa ontem, 25 de janeiro, pela Universidade Católica de Pernambuco. Suas numerosas honrarias e seus mais de 50 livros publicados foram apresentados, ao público, na cerimônia. E estão, na internet, à disposição de quem queira saber. Mas, intimamente, quem será ele?, eis a questão. Para responder lembro livro curioso, editado em 2014 pelo Prêmio Nobel de Literatura (em 1971) Pablo Neruda, El libro de las preguntas. Em que primeiro anuncia palavras e, depois, discorre sobre o tema. Nesse caminho, escolhi apenas 20. E vejamos o que Dom Tolentino diz, sobre elas. Para conhecer melhor esse homem enorme que, agora, honra também nossa terra.

BRINQUEDOS. Numa caixa de brinquedos estão as histórias disparatadas e sábias que contamos pela vida fora, a primeira bicicleta, os livros que nos ofereceram quando ainda não sabíamos ler, o silêncio da intimidade, as conversas à janela voltadas para a noite. Nessa caixa, está a arte de fazer tempo e de perdê-lo, para que se torne mais nosso.

CAMINHOS. Ensina-nos, Senhor, a olhar com humildade e a reconhecer, como um caminho que deve ser percorrido, o áspero acúmulo de ruínas. Esse caminho, que o homem moderno se descobre a percorrer, Eliot alumia-nos com uma esperançosa pergunta: "Quem é o terceiro que caminha sempre a teu lado? Quando conto, só vejo nós dois; mas quando olho adiante na estrada branca há sempre outro caminhando a teu lado."

CHORO. Devemos chorar sem permanecer no pranto, a fazer o luto sem enlutar demasiado tempo o coração, a visitar as nossas feridas sem perder a esperança.

COZINHA. Pensar uma casa a partir da cozinha em nada atenta contra a sua natureza sagrada. Há uma compreensão que se abre para aquilo que uma casa significa, como se assim tocássemos o seu segredo.

ETERNIDADE. Este sentimento de eternidade não consiste numa duração contínua, num tempo ininterrupto. Colhe-se no sentimento de que a vida é atravessada por alguma coisa, por uma alegria que emerge pela pura e simples sensação de estarmos vivos.

ÉTICA. A ética e a liberdade não têm a ver com a vontade, nem com as ações que dependem de nós, mas sim com o conhecimento e a possibilidade de conhecer. O ser humano é livre na medida em que conhece. A ética, em síntese, é a capacidade de reconhecer o que nos move uma experiência de abandono ou uma presença amorosa; um vazio que gera carência ou uma plenitude; uma força que expande ou um medo que lhe tolhe.

FÉRIAS. Que aproveitemos o tempo das férias para prolongar o tempo: o tempo das conversas, o tempo dos encontros, o tempo à volta da mesa, o tempo da leitura, o tempo dedicado à alegria, o tempo da contemplação, o tempo do cuidado.

FUTURO. Ensina-nos a divisar futuros onde os olhos só avistam entraves ou escombros e a acreditar que um fogo subsiste debaixo das cinzas.

HISTÓRIA. A história nos parece indiferente ao que possamos fazer. Vale a pena avaliar o tempo, o que fazemos dele e o que ele faz de nós.

MÃE. Falar da mãe é tocar alguma coisa ardentemente intransmissível, mas que permite aceder a um património que todos podemos reconhecer nosso.

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