A reforma possível (II): simplificação com carga tributária maior?
Houve na reforma, em decorrência de fortes lobbies e de razões soberanas, setores que foram beneficiados, têm regimes específicos ou foram isentos. Analisaremos estes aspectos, entre outros, no próximo artigo.
Neste segundo artigo trato da simplificação tributária, de um lado, e de outro, analiso os possíveis impactos da reforma sobre a carga tributária geral e a dos principais setores da economia bem como as implicações de se transferir gradualmente a tributação da origem para o destino.
Um aspecto que merece ser elogiado é a simplificação que trará menores custos para a sociedade. Para recolher os tributos, existem custos para as empresas, consumidores e governos. As empresas incorrem em altos custos para cumprir as obrigações tributárias pagando funcionários para atender a pesada burocracia dos impostos e a advogados para enfrentar o litígio com os fiscos de todos os níveis de governo. Estes, por sua vez, gastam muito na manutenção de suas estruturas de arrecadação e de fiscalização. Os consumidores, pelo repasse desses custos aos preços, pagam mais caro pelos bens e serviços que adquirem e convivem com um sistema tributário regressivo onde 48% dos impostos incidem sobre bens e serviços. Estima-se que todos estes custos representem entre 2% e 3% do PIB. A simplificação tributária, uma das características da atual reforma, irá reduzir substancialmente esses custos que serão repassados para a economia, diminuindo, assim, o ônus para a sociedade por se ter um sistema tributário caro para as empresas e os contribuintes.
A reforma estabelece o princípio de que não haja aumento da carga global de impostos. Todavia, alguns setores como o de serviços que foram pouco tributados nos últimos 55 anos, vão pagar mais. Outros, como a indústria que foram, ao contrário, historicamente sobretaxados vão pagar menos. As diferentes cadeias produtivas entre serviços e indústria explicam, em parte, os impactos já que, sendo um imposto sobre valor agregado, ele incide em cada etapa que adicionou valor, creditando-se o contribuinte do imposto pago nos estágios anteriores. Cadeias longas, como na indústria, são mais beneficiadas do que cadeias curtas como na maioria dos negócios que prestam serviços às famílias e às empresas.
Há uma diferença entre carga tributária, em geral, e as novas e maiores alíquotas que irão incidir sobre um conjunto expressivo de bens e serviços. A carga tributária como um todo poderá se manter constante, mas a de alguns setores importantes deverá se elevar. A reforma propõe mecanismo de trava de aumento da carga tributária usando como base de referência a receita da União, o PIB e outros tetos de referência. Portanto, a carga tributária medida, por uma alíquota agregada em pontos percentuais ou em relação ao PIB, não deverá aumentar. A reforma promete, portanto, uma carga neutra que não aumente para o conjunto da economia os impostos coletados e pagos pela sociedade como um todo.
A adoção do princípio de destino extingue as políticas de incentivos fiscais baseadas na redução de impostos na origem que objetiva atrair atividades produtivas para os estados, especialmente os do Nordeste em esforço para reduzir o hiato competitivo em relação às empresas localizadas no Sudeste e no Sul do país. Para compensar a perda deste instrumento de atração de investimentos criou-se o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR) que deverá ser repartido entre os estados e o DF com base nos seguintes critérios: 1. população do Estado ou do Distrito Federal, com peso de 30% (trinta por cento), 2. coeficiente individual de participação do Estado ou do Distrito Federal nos recursos de que trata o art. 159, I, "a", da Constituição Federal, com peso de 70% (setenta por cento), ou seja, o critério que disciplina a repartição do Fundo de Participação (FPE) entre Estados e o Distrito Federal.
O FNDR deverá financiar investimentos em infraestrutura econômica e social, melhorar a qualidade dos recursos humanos e estimular a inovação para reduzir o hiato competitivo com relação aos estados mais desenvolvidos do país. Priorizar os investimentos em rodovias, ferrovias, portos, aeroportos e na logística em geral bem como na melhoria da educação básica e profissional da força de trabalho é essencial para atrair novos investimentos produtivos. A atração de investimentos dependerá daqui para frente, portanto, de atributos competitivos e não fiscais. Os entes federativos, especialmente os estados, terão que fortalecer suas competências para planejar e elaborar projetos que deverão ser financiados com os recursos do Fundo que irão crescer gradualmente ao longo do tempo de R$ 8 bilhões, em 2029, para R$ 60 bilhões a partir de 2043.
Mesmo que a reforma não tivesse sido aprovada, a Lei Complementar 160 extinguiria os benefícios fiscais em 31 de dezembro de 2032. Em uma situação ou outra, os estados têm mais 09 anos para fazer essa transição e preparar-se para uma nova era onde a competitividade sistêmica dará lugar à redução de impostos para atrair novos negócios.
Foram mantidos, até 2032, os benefícios destinados à indústria automobilística no Nordeste e Centro-Oeste na forma de crédito presumido da CBS que serão reduzidos ao ritmo de 20% ao ano a partir de 2029. O benefício será válido para veículos elétricos, flex ou movidos por biocombustíveis desde que a produção se inicie até janeiro de 2028, preenchidas algumas condições. A prorrogação se restringe a projetos em unidades fabris já instaladas ou novos projetos que aproveitem as já existentes. A Stellantis, em Pernambuco, e a BYD, na Bahia, foram, portanto, beneficiadas. Bom para o Nordeste.
Houve na reforma, em decorrência de fortes lobbies e de razões soberanas, setores que foram beneficiados, têm regimes específicos ou foram isentos. Analisaremos estes aspectos, entre outros, no próximo artigo.
Jorge Jatobá, doutor em Economia, professor titular aposentado da UFPE e ex-secretário da Fazenda de Pernambuco.