Os desafios de Lewandowski
Não basta somente reprimir a conduta delituosa, como é do costume brasileiro, mas, acima de tudo, também será fundamental investir na prevenção ao crime, evitando, assim, que o ilícito penal aconteça.
O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, assume hoje a difícil missão de chefiar o Ministério da Justiça e da Segurança Pública, substituindo Flávio Dino, que nos próximos dias tomará posse como ministro da Suprema Corte, na vaga da ex-ministra Rosa Weber, que por sinal teve um papel brilhante como presidente do STF, mormente com a sua atuação firme e determinada por ocasião dos lamentáveis episódios desencadeados em 08.01.2023, quando malfeitores da lei e da ordem praticamente destruíram o edifício sede da Corte Suprema, em verdade, uma tentativa de golpe de Estado que não se consumou porque a democracia foi mais forte, consolidando a sua função constitucional de guardiã da Constituição.
Lewandowski, detentor de farta experiência jurídica e administrativa, todavia, enfrentará enormes desafios à frente do Ministério, máxime no tocante às grandes dificuldades que encontrará no campo da Justiça e da Segurança Pública, dois percalços que de há muito exigem soluções governamentais a curto e a médio prazo.
No campo da Justiça, havendo vontade política e determinação, será imprescindível criar, manter e aperfeiçoar o sistema penitenciário do País, com o apoio dos Estados-membros, efetivando a aplicação da Lei de Execução Penal de 1984. Nesse sentido, idealizar e pôr em prática uma política nacional penitenciária será uma das tarefas mais árduas que o novo ministro certamente terá que enfrentar. A construção de penitenciárias federais em todos os Estados, sem dúvidas, será uma meta que terá que ser alcançada e perseguida pelo novo ministro. Hoje, no Brasil, só existem presídios federais em Catanduvas-PR, Campo Grande-MS, Mossoró-RN, Porto Velho e Brasília-DF, quando no primeiro Governo Lula houve a promessa de construir essas unidades federais em todos os Estados, principalmente nas suas capitais.
Ainda como política penitenciária, será absolutamente necessária a proposição de projetos de lei ao Congresso Nacional, visando a aprovação de um Código de Execução Penal em substituição à atual Lei de Execução Penal, bem como de um Código de Processo de Execução, ademais, hoje, os operadores do Direito utilizam o Código de Processo Penal como fonte subsidiária, face à ausência de uma legislação processual apropriada e que atenda aos anseios da classe jurídica. A Lei de Execução Penal de 1984, que é utilizada nas Varas de Execução Penal e nos Tribunais, praticamente não contém dispositivos processuais, dificultando, sobremaneira, uma uniformização procedimental sobre a matéria, atitude que de há muito é urgente e necessária.
Por outro lado, não é mais possível deixar de disponibilizar para todos os presos brasileiros - provisórios e os já condenados - o trabalho prisional, sabendo-se que essas atividades laborais evitam a ociosidade carcerária, educa e contribui para a produção, sem contar que qualquer atividade humana desenvolvida pelo detento tem tudo para contribuir com a profissionalização dos reclusos, que será útil e importante na vida do apenado, depois de cumprida a pena. O Trabalho do condenado, de forma interna ou externa, além de ser um dever social e condição de dignidade humana, não está sujeito às regras da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), daí porque a classe empresarial deveria ser conscientizada desse desvinculo empregatício e da ausência de encargos sociais em relação à mão de obra carcerária.
Na esfera da Segurança Pública, sabendo-se que o Brasil não é produtor da cocaína, é esperada uma rígida e persistente fiscalização e repressão nas fronteiras com o Paraguai, Peru, Colômbia, Bolívia e demais países fronteiriços, com a finalidade de reduzir a entrada e a livre circulação da droga em nosso território, ademais o Brasil continua sendo a porta de entrada da substância entorpecente e do tráfico de armas. Outrossim, considerando que cerca de 90% dos assassinatos são perpetrados com o uso da arma de fogo, é necessário exercer uma política preventiva de contenção do porte ilegal de armas, se possível aumentando a pena em relação a este tipo de ilícito penal.
Mesmo que se saiba que a repressão ao crime, de qualquer espécie, é absolutamente necessária, também é esperado que o Brasil manifeste preocupação e adote ações no sentido de prevenir o crime. É possível suprimir de uma vez por todas a velha tradição brasileira de ir ao encontro ao crime depois que ele é praticado. Previne-se o crime, primeiro, com a punição, indistintamente, de todos que vierem a violar a lei penal, daí porque espera-se que as investigações criminais sejam efetivamente realizadas em relação a todos os delitos praticados e não apenas nos crimes de extrema gravidade ou de repercussão social intensa. Políticas sociais voltadas para os mais carentes, mormente com a disponibilidade de escolas, saúde, moradia e trabalho honesto, certamente contribuirão para uma redução drástica da criminalidade.
Como se observa, não basta somente reprimir a conduta delituosa, como é do costume brasileiro, mas, acima de tudo, também será fundamental investir na prevenção ao crime, evitando, assim, que o ilícito penal aconteça. Só com o uso da repressão, podem ter certeza, dificilmente diminuiremos os altos índices de criminalidade que vivenciamos, porque a prevenção ao crime é e sempre será, ao lado da repressão, a política criminal mais eficaz que o Estado pode oferecer contra a criminalidade, que a cada dia é mais acentuada e apavorante.
Adeildo Nunes, Juiz de Direito Aposentado, Professor, Doutor e Mestre em Direito de Execução Penal, Membro da Academia de Letras e Artes de Gravatá-PE