Reconhecimento facial, evolução tecnológica e direitos humanos
Se os sistemas de reconhecimento facial forem implementados sem considerar cuidadosamente os riscos de discriminação, pode criar uma falsa sensação de segurança entre pessoas que confiam nessas tecnologias,
É extremamente relevante e legítimo que as autoridades utilizem diversos recursos no deslinde dos complexos desafios em segurança pública. Tais expedientes se transformam em meios de provas que dão sustentação e cumprimento as decisões judiciais, assegurando o cumprimento da lei e o estreito laço entre a demanda e os preceitos legais. Todavia a sociedade contemporânea espera de quem opera o Direito a efetiva concretização dos direitos fundamentais, reduzindo não só as desigualdades sociais como declarado no art. 3º da CRFB/88, como também as desigualdades jurídicas e humanas existentes entre as relações simples e complexas de particulares com o Estado. Neste sentido, o direito moderno dá vida aos valores fundamentais e constitucionais, determinando a aplicação da ponderação dos interesses, utilizando como parâmetro os princípios constitucionais que têm aplicabilidade direta e imediata às relações públicas e privadas.
O sistema de reconhecimento facial é uma tecnologia poderosa, que utiliza algoritmos para identificar e autenticar pessoas com base em suas características faciais únicas. Essa tecnologia ganhou popularidade em uma variedade de aplicações, desde desbloqueio de smartphones até a segurança em aeroportos e monitoramento de multidões. O sistema de reconhecimento facial geralmente funciona em três etapas: captura da imagem facial, extração de características e comparação com um banco de dados de rostos previamente armazenados. Os algoritmos analisam características como distância entre os olhos, largura do nariz e contorno da face para criar um "template" facial único para cada pessoa.
Apesar de suas muitas aplicações úteis, o reconhecimento facial também levanta preocupações significativas sobre direitos humanos, privacidade e segurança. O armazenamento de dados biométricos, como imagens faciais, pode representar riscos de vazamento ou uso indevido. Além disso, há preocupações sobre o potencial para vigilância em massa e discriminação algorítmica. Devido às preocupações com privacidade e segurança, muitas jurisdições no mundo estão considerando ou já implementaram regulamentações sobre o uso do reconhecimento facial, o que ainda não ocorreu no Brasil. Alguns países proibiram ou restringiram seu uso em determinados contextos, enquanto outros estão buscando diretrizes para garantir que essa tecnologia seja usada de forma ética e responsável.
Os algoritmos de reconhecimento facial são treinados com conjuntos de dados que podem refletir preconceitos existentes na sociedade. Se esses conjuntos de dados não forem representativos o suficiente, o sistema pode ter dificuldade em reconhecer corretamente pessoas de determinadas raças, etnias ou gênero. Isso pode resultar em taxas de erro mais altas para certos grupos demográficos, como tem ocorrido, maiormente com a população negra.
Diversos estudos demonstram que os sistemas de reconhecimento facial tendem a ser menos precisos ao identificar pessoas com tons de pele mais escuros, mulheres e pessoas mais velhas. Isso pode levar a uma disparidade no tratamento entre diferentes grupos, resultando em situações em que certas pessoas são mais frequentemente erroneamente identificadas ou até mesmo ignoradas pelo sistema. Essa preocupação merece atenção, discussão ampla e incrementos de ajuste nesta ferramenta dita poderosa.
Para exemplificar um caso real, no ano de 2021, um pedreiro do Estado do Piauí, foi confundido, através do uso do reconhecimento facial, com um fraudador de cartões de crédito e preso. A cadeia de fatos subsequentes é estarrecedora e contem abordagem policial truculenta, mácula da imagem perante a sociedade, risco de vida e um trauma imensurável, envolvendo uso de medicação, que será levado por toda vida. Ao final de três longos e tortuosos dias cerceado de um direito constitucional base que é a liberdade, e se submetendo a todo tipo de violação em nosso sistema prisional, a polícia apenas reconhece o erro, faz uma retificação no laudo, solta a vítima e alega que estava cumprindo seu dever legal. Após esta via crucis, fica um exercício individual para reflexão: Imagine a dor, adivinhe a cor! Sim, o pedreiro é negro. Será que vale arriscar valores de dignidade e cidadania das pessoas para ter uma tecnologia que, até o momento não apresenta1 sequer redução dos índices de criminalidade?
Se os sistemas de reconhecimento facial forem implementados sem considerar cuidadosamente os riscos de discriminação, pode criar uma falsa sensação de segurança entre pessoas que confiam nessas tecnologias, além da validação rápida do dispêndio milionário em recursos públicos, quando se trata de segurança pública, já que sua “onda tecnológica” parece validar automaticamente tais investimentos. O reconhecimento só deve levar a uma maior marginalização e exclusão dos grupos já vulneráveis, em vez de fornecer uma solução equitativa e justa.
Manoela Alves, diretora do Insitituto Enegredcer