OPINIÃO

Para além dos obstáculos

Os jovens de hoje querem uma escola que caiba na vida, que dialogue com o seu mundo, e as escolas de referência de ensino médio em tempo integral podem ser esta escola tão sonhada

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MOZART NEVES RAMOS

Publicado em 18/03/2024 às 6:00
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Os nomes deles são: João Pedro Ferreira Santos, Vinícius Gabriel da Silva e José Wagner Paixão dos Santos. E o que existe em comum entre eles? São três aspectos cruciais. Primeiro, a faixa etária; são jovens saindo da adolescência; Vinícius Gabriel e José Wagner têm 17 anos; João Pedro, 18. Segundo, são alunos de escolas públicas do interior de Pernambuco. Terceiro, vêm os três de famílias com baixo poder aquisitivo e
estão inseridos no mesmo contexto repleto de adversidades que permeiam o sistema público de educação no Brasil, sobretudo no Nordeste, região onde há pobreza extrema, desemprego e falta de assistência social para os seus habitantes, incluindo aí o bem intangível mais importante de uma sociedade desenvolvida, o direito à
educação.

Entretanto, foi justamente neste ambiente adverso que nasceram três lindas histórias de superação, não sem muito esforço, mas um esforço extraordinário, porque ia além das possibilidades deles. Essas três histórias foram retratadas neste JC em 21 de fevereiro. Egresso da Escola Técnica Estadual José Nivaldo Pereira Ramos, localizada em Santa Cruz do Capibaribe, no Agreste de Pernambuco, João Pedro acaba de ser aprovado no Sisu (Sistema de Seleção Unificada) em várias universidades públicas do país, entre elas a USP (Universidade de São Paulo), em 5º lugar no curso de direito. Já Vinícius Gabriel, que vem da Escola de Referência em Ensino Médio Dom Acácio Rodrigues Alves, no município de Palmares, zona da Mata Sul do estado, foi aprovado em 13º lugar do curso de sistemas de informação, também na USP, e ainda na UFAL
(Universidade Federal de Alagoas).

Aluno do Colégio Estadual Professor João Barbosa de Almeida, em São Vicente Férrer, na Mata Norte, José Wagner está de malas prontas para os Estados Unidos, com uma bolsa de estudos integral que vai permitir a ele estar nas bancas inimagináveis da Yale University, na cidade de New Haven. Lá, José Wagner vai fazer o curso Solving Global Challenges, em português ‘Solucionando Desafios Globais’. Junto com ele, estarão
jovens de outros 150 países que vão aprimorar conhecimentos em impacto social, liderança e ações que promovem resolução de problemas mundiais.

Obter uma conquista de tamanha magnitude não é algo simples para quem vem de onde eles vêm e para quem está inserido na brutal realidade de um país que perde anualmente quase meio milhão de alunos, logo na primeira série do ensino médio, segundo o último Censo Escolar divulgado em fevereiro pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas), órgão ligado ao MEC. Voltar-se para tais conquistas, exige dos governos, em suas várias esferas, um olhar crítico e atento para que sejam construídas políticas públicas que garantam aos nossos jovens o direito à educação e, consequentemente, a um futuro promissor.

Para reverter as elevadas taxas de abandono escolar no ensino médio, ampliadas com a pandemia, o governo federal acaba de lançar o programa Pé de Meia, de incentivo financeiro-educacional na modalidade de poupança, que deve começar a operar a partir deste mês de março. Faz sentido a preocupação do governo federal, e esse pode ser o primeiro passo de incentivo para que o jovem possa permanecer na escola.

Todavia, os jovens de hoje querem uma escola que caiba na vida, que dialogue com o seu mundo, e as escolas de referência de ensino médio em tempo integral podem ser esta escola tão sonhada. De fato, o estado de Pernambuco, há vários anos, detém o menor número de abandono escolar no ensino médio dentre todas as redes estaduais do país. Além da permanência, é preciso o cuidado com a aprendizagem escolar, talvez
o maior desafio, já que os números das avaliações nacionais e internacionais mostram um quadro extremamente preocupante. Por exemplo, os números do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) de 2023, programa realizado pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) - uma comunidade com 38 países membros, criada para estimular o progresso mundial – revelam um cenário dramático: 73% dos estudantes que concluem o ensino médio no Brasil estão abaixo do nível básico em matemática e 50%, em leitura.

Quanto mais se trabalha com este olhar, mais jovens participarão ativamente da vida profissional e política do país e poderão contar com suportes que lhes ajudem a realizar os seus projetos de vida. A poupança do ensino médio, como o programa foi batizado, pretende promover a permanência e a conclusão dos três últimos anos do ensino básico brasileiro para os estudantes das escolas públicas do país, além de democratizar o acesso à sala de aula e reduzir a desigualdade social. Sendo gerenciado com seriedade e responsabilidade, o Pé de Meia pode ajudar a se multiplicar pelo Brasil as réplicas de João Pedro, Vinícius Gabriel e José Wagner, e, sobretudo, não vai deixar que a força contrária de nenhuma adversidade social roube os sonhos nem corte as asas de nossos jovens.

Mozart Neves Ramos, professor emérito da UFPE. Laís Godoy, jornalista.

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