OPINIÃO

Por baixo do tapete

Decisões importantes para a comunidade internacional são realizadas de maneira informal, justamente quando a grande mídia está ausente ou desatenta: nas salas VIP dos aeroportos, nos aposentos luxuosos de hotéis, em partidas de tênis, em almoços reservados.

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Publicado em 07/04/2024 às 0:00 | Atualizado em 08/04/2024 às 14:14
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Paul Blustein, especialista em economia do jornal "The Washington Post", em sua obra "Vexame..." descreve a sala onde os diretores-executivos do FMI se reúnem: No décimo segundo andar situa-se o "sanctum sanctorum", um salão oval com 18 metros de comprimento ocupando dois níveis luxuosamente atapetados de azul e decorado com retratos dos seus ex-diretores.

Em 2001 os EUA tinha direito a 17,6 por cento dos votos no FMI, o Japão 6,16 por cento, a Alemanha, 6,02 por cento, a África do Sul, representando 21 nações do continente africano com 3.23 por cento, o Egito, representado por 13 nações árabes, tinha 2,95 por cento e o Brasil, representando nove nações sul-americanas, tinha apenas 2,47 por cento. Tais percentuais revelam a indigna repartição do poder nesse órgão. Tal conclusão é questionada por Manuel Castells. Em entrevista concedida à Revista "Veja" o sociólogo espanhol afirma que a dominação do Ocidente, representado por Estados Unidos, Reino Unido e União Europeia, mudou. Hoje eles respondem por apenas 20% da população mundial e 40% do PIB. O resto do mundo está dividido entre Ásia, Oriente Médio e América Latina com exceção da Argentina que hoje se tornou um satélite dos americanos.

Acolho, em parte, as ideias do cientista. Suponho que ele foi demasiado atrevido ou audacioso em sua entrevista. Aqueles que vivem com a corda no pescoço - situação da maioria dos países emergentes (expressão criada em 1981, por Antoine Van Agtmael) detém pouca relevância no FMI e no mundo atual. A dívida bruta brasileira, por exemplo, é a terceira maior, só empatada com a Ucrânia, em guerra com a Rússia. O Brasil fica atrás apenas dos 92,7% do PIB do Egito e dos 89,5% do PIB da Argentina, que vem atravessando uma grave crise econômica.

Essas anotações parecem um tanto paradoxais se considerarmos que o FMI foi criado na Conferência de Bretton Woods, em 1944, após a Segunda Guerra Mundial, com a função precípua de promover a estabilidade financeira e monetária global. Todavia, não se poderia falar em estabilidade brasileira com uma dívida de US$2 trilhões. Logo raciocinamos que o conceito moderno de poder não pode e não deve ser analisado de maneira simplista. Fatos recentes, tendo a ONU como protagonista maior nas questões envolvendo Israel-Hamas, confirmam tal ilação. Apenas um dos cinco membros permanentes da ONU detentores de direito a veto, refreou a vontade de 193 países. Por essa razão a proposta brasileira não logrou aprovação tendo em vista o voto contrário dos EUA. Imediatamente raciocinamos: a democracia possui também uma face perversa ou nefária, até mesmo nas grandes organizações internacionais. Tratando-se de FMI, existe uma verdade que poucos conhecem: o real poder decisório dessa organização cabe, nos instantes mais críticos, aos membros do G-7 que contam com quase metade dos votos.

Decisões importantes para a comunidade internacional são realizadas de maneira informal, justamente quando a grande mídia está ausente ou desatenta: nas salas VIP dos aeroportos, nos aposentos luxuosos de hotéis, em partidas de tênis, em almoços reservados. Recentemente, a atual diretora-gerente do FMI, Kristalina Georgieva, declarou em entrevista publicada pelo jornal "Valor Econômico", de 29 de fevereiro último, que o Brasil tem sido uma "boa notícia para a economia mundial por ter se destacado nas projeções de crescimento".

A frase é uma retórica malsã e possui um objetivo oculto. Afinal, o Brasil continua amargando o terceiro lugar no ranking de países mais endividados do mundo. E vários fatores têm concorrido para essa situação. A guerra na América Latina é um deles: guerra do narcotráfico, guerra de milicianos contra o crime organizado, guerra da corrupção envolvendo as altas autoridades do Brasil como foi o caso do assassinato de Marielle Franco...Deixaremos esse tema para outra oportunidade. Interessa-nos agora a crise dos precatórios ou débitos da União decorrentes de sentença judicial em que a Fazenda Pública foi condenada por quantia certa.

O problema dos precatórios, que alcança todos os cidadãos e todas as instituições do País, é considerado o mais grave da história constitucional da República e remonta aos tempos da proclamação da República. Carrega uma conta atual de R$270 bilhões. Estima-se que alcançará R$700 bilhões em 2026. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o parcelamento do pagamento dos precatórios. Diante dessa decisão, as grandes autoridades, os partidos políticos, o Poder Legislativo, por meio de seus representantes, chegaram a um impasse: descumprir as decisões judiciais violando direitos fundamentais, apelar para soluções ilegais ou para a criatividade ameaçadora ou arriscada, empurrar até cinco anos a compensação de créditos tributários numa espécie de calote temporário... E a sociedade não desconhece que nossos governantes, incluindo Prefeitos e Governadores, passaram a usar os precatórios como forma perversa e ilícita de financiar gastos públicos ou de converter dívidas em empréstimo compulsório. A conclusão é óbvia: o tapete grande está na sala. É preciso ver em que momento os entulhos serão extintos. Esses e muitos outros.

Dayse de Vasconcelos Mayer, professora universitária e advogada.

 

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