Sérgio C. Buarque
Há 50 anos, quando as rádios portuguesas tocaram a música Grândola, Vila Morena, foi dado o sinal para Revolução dos Cravos que derrubou a longeva ditadura de Antônio Salazar, dominando país por mais de 41 anos.
Quase sem confronto e vítimas, em 25 de abril de 1974, a revolução restaurou a democracia em Portugal, sete meses depois do golpe militar no Chile que derrubou o governo legítimo do socialista Salvador Allende e implantou uma das mais violentas ditaduras da América Latina.
A Revolução dos Cravos reanimou os democratas e a esquerda latino-americana que lamentavam o final traumático da experiência socialista com democracia e repudiavam o terror do ditador Augusto Pinochet. Como se Portugal tivesse realizado a esperança anunciada por Allende no seu discurso de despedida: “Saibam que, antes do que se pensa, de novo se abrirão as grandes alamedas por onde passará o homem livre, para construir uma sociedade melhor”.
As alamedas se abriram no mais pobre país da Europa, numa virada surpreendente da história. Mais cedo do que poderíamos esperar.
O golpe militar do Chile era tão previsível quanto foi imprevisível o movimento que derrubou a ditadura em Portugal. A profunda crise econômica e política no Chile, a inflação galopante, o enorme desabastecimento e a radicalização, numa sociedade fragmentada, com o presidente Allende isolado politicamente, criaram um tão grave impasse que sugeria a iminência do golpe militar. A única incerteza era sobre as chances que teria a esquerda de resistir ao levante militar, o que, seguramente, levaria a uma guerra civil no Chile, de resultados imprevisíveis.
Ao contrário dos eventos no Chile, a Revolução dos Cravos surpreendeu o mundo e, por dizer assim, acalentou as esperanças dos democratas e socialistas da América Latina. Surpreendente, mas não por acaso. Portugal era um país em plena decadência econômica e cultural, política e diplomaticamente isolado, com o povo traumatizado pelo conflito colonialista na África. O descrédito e a insatisfação com a guerra colonial levaram milhares de jovens portugueses ao exílio nos países vizinhos da Europa, para fugirem do serviço militar e da possível morte nas florestas de Angola ou Moçambique. As colônias eram uma fonte de recursos da pobre economia portuguesa, mas a guerra colonial demandava pesados investimentos militares e a mobilização de tropas, comprometendo o orçamento e provocando grande insatisfação na sociedade.
Com a democracia e a independência das ex-colônias africanas, os jovens exilados portugueses voltaram para Portugal trazendo na bagagem ideias e valores da social-democracia europeia, para oxigenar o pensamento político e social do país. Logo depois da Revolução dos Cravos, Portugal também recebeu milhares de exilados brasileiros em busca das alamedas abertas.
A democratização de Portugal veio acompanhada do processo de descolonização da África, acabando com o último domínio europeu no continente, abrindo o caminho para a abertura e o reconhecimento internacional, a modernização econômica e social e, mais tarde, a entrada na União Europeia. Portugal é hoje uma nação democrática e desenvolvida, com um IDH-Índice de Desenvolvimento Humano muito elevado, na 22ª posição mundial em qualidade de vida. O Brasil ainda será um imenso Portugal, como brinca o poema de Chico Buarque. E que seja o Portugal construído pela Revolução dos Cravos.
Sérgio C. Buarque, economista