Não existe censura do bem
Na atual quadra histórica a população vem se informando diretamente pelas redes sociais e o papel da grande mídia no jogo do poder foi transferido para as chamadas big techs
A força das ideias derruba impérios, decapita reis e transforma a sociedade, a revelar que não há nada mais ameaçador àqueles que pretendem permanecer no poder do que a livre circulação de opiniões. Essa é a razão da liberdade de expressão ser pilar essencial da democracia. Nos períodos ditatoriais de nosso país, tal liberdade foi mitigada pela censura e, sob a vigência da malsinada Lei de Imprensa, foram fechados e empastelados diversos jornais e censuradas obras musicais, cênicas e literárias.
Após a Constituição de 1988, o STF declarou inconstitucional a Lei de Imprensa, destacando-se dentre os judiciosos fundamentos a citação do Min. Menezes Direito, para quem “a sociedade democrática é valor insubstituível que exige, para a sua sobrevivência institucional, proteção igual a liberdade de expressão e a dignidade da pessoa humana e esse balanceamento é que se exige da Suprema Corte em cada momento de sua história”.
A raiz da celeuma atual reside na alteração da matriz informacional do povo. É que no período de nossa redemocratização a televisão e o rádio eram veículos naturais de formação da opinião dos brasileiros. Não por coincidência, naquela época (Governo Sarney), em 5 anos foram concedidos mais que o dobro de canais e estações que em toda história do Brasil. Foram 1024 concessões de rádio e tv distribuídas, em sua grande parte, a famílias dos detentores do poder político.
Acontece que na atual quadra histórica a população vem se informando diretamente pelas redes sociais e o papel da grande mídia no jogo do poder foi transferido para as chamadas big techs, com seus aplicativos e algoritmos, em plataformas que podem amplificar e condensar as vozes de cidadãos comuns ou mesmo silenciar e dissipar opiniões de grandes doutores e artistas, mercê do engajamento/interesse dos usuários.
Por certo que o Estado não pode estar à margem da fiscalização ou até regulação de tais novas tecnologias para que seja assegurada a isonomia inerente às disputas políticas, sobretudo em ambiente eleitoral. No entanto, a censura de conteúdo de postagens e manifestações, como estamos assistindo no Brasil, não parece digno do papel e muito menos da história do STF, pelo que urge a necessária autocontenção.
Pedro Henrique Reynaldo Alves, ex-presidente da OAB/PE e sócio da PHR Soluções Jurídicas