Opinião

Mudanças na progressão de regime prisional

O sistema progressivo para os que cumprem a pena privativa de liberdade ingressou no Brasil com a aprovação do Código Penal de 1940

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Cadastrado por

Adeildo Nunes

Publicado em 15/05/2024 às 21:52
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O sistema progressivo para os que cumprem a pena privativa de liberdade ingressou no Brasil com a aprovação do Código Penal de 1940, quando restou autorizado que o condenado à pena de prisão pudesse ser transferido para uma colônia penal ou similar, uma custódia menos rígida. O Código, porém, não estipulava os requisitos necessários para a realização da transferência. O que se sabe é que, com a introdução do sistema progressivo, era o diretor do estabelecimento prisional quem detinha o poder de decidir pela transferência do condenado.

Foi com a Lei Federal nº 6.416, de 1977, entretanto, que se deu a criação dos regimes prisionais (fechado, semiaberto e aberto), até hoje existentes, permitindo que o condenado pudesse progredir do fechado para o semiaberto e deste para o aberto, também por decisão administrativa proferida pela administração de cada unidade prisional.

Com o advento da Lei Federal nº 7.210, de 1984, a Lei de Execução Penal(LEP) -que entrou em vigor na mesma data da grande reforma introduzida na Parte Geral do nosso Código Penal de 1940 – o modelo progressivo ingressou no Brasil, definitivamente, basicamente copiando o sistema progressivo italiano, que também já vigorava em quase todos os países da Europa.

Originariamente, a Lei de Execução Penal (art. 112), estabelecia a possibilidade de o condenado ser transferido do fechado para o semiaberto ou deste para o aberto, desde que comprovasse bom comportamento durante o cumprimento da pena, que houvesse cumprido, pelo menos, 1/6 (um sexto) da sanção penal, independentemente do crime praticado e da sua gravidade e, finalmente, que o exame criminológico sugerisse a progressão.

Como a Lei de Execução Penal transformou o sistema administrativo em modelo judicial, a autorização para a transferência passou a ser de exclusiva competência do juiz da Execução Penal, o que acontece até os dias atuais. Portanto, a partir de 1984, desde que cumprido 1/6 (um sexto) do total da condenação, se o réu apresentasse bom comportamento carcerário e o exame criminológico aconselhasse, ouvido o Ministério Público, no âmbito do processo de execução, o juiz poderia autorizar a transferência.

Como até hoje é preservada, a mesma Lei de Execução Penal obrigou a construção de penitenciárias para o cumprimento da pena em regime fechado, colônias penais para o semiaberto, casas de albergados para o regime aberto e cadeias públicas para os presos provisórios.

Sabe-se, hoje, que essas casas de albergados jamais foram edificadas e que as colônias penais nunca foram capacitadas no sentido de oferecer aos seus apenados a oportunidade de uma profissionalização, trabalho, educação e reaproximação familiar, com raras exceções, nem tampouco as cadeias públicas foram suficientes para acomodar os presos autuados em flagrante delito ou com prisões preventivas decretadas. Em suma, nunca houve interesse político para o fiel cumprimento da Lei de Execução Penal, no que diz respeito à separação dos presos, de acordo com o tipo de regime prisional.

Com a aprovação da Lei Federal nº 10.792, de 2003, o exame criminológico deixou de ser requisito essencial para a obtenção da progressão. Em 2010 o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante nº 26, tornando o exame facultativo, que poderia ser requisitado pelo juiz da Execução Penal, claro, de forma fundamentada. A Súmula Vinculante, por oportuno, obriga que todos os órgãos do Poder Judiciário e da administração pública federal, estadual e municipal cumpram as suas disposições, um imperativo constitucional.

Porém, em 1990, com a Lei nº 8.072, houve a proibição para a aquisição da progressão em relação a todos os condenados pela prática de crimes hediondos. Essa proibição, contudo, foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, somente, em 2006 (HC 82.959).

Foram 16 (dezesseis) anos de proibição, superlotando, cada vez mais, o regime fechado. Em 1990 o Brasil tinha 92 mil presos; em 2006 já eram 283 mil. Com a declaração de inconstitucionalidade, os 208 mil detentos que estavam no fechado foram transferidos para o semiaberto, que sem estrutura física e humana tornou o regime insustentável, mais desumano e sem controle estatal. Em 2007, a Lei nº 11.464 passou a exigir um tempo de cumprimento da pena equivalente a 2/5 (dois quintos) para os não reincidentes e 3/5 (três) para os reincidentes em crimes hediondos.

A maior mudança brusca e irreparável ao longo dos anos na vida da progressão de regime, todavia, foi provocada pela Lei nº 13.964, de 2019, a denominada Lei Anticrime, que novamente proibiu a progressão para aqueles que tenham cometido crimes hediondos com resultado morte (inconstitucionalidade já declarada pelo STF), dando nova redação ao art. 112 da LEP, modificando e dificultando, ainda a mais, a obtenção da progressão, por conseguinte, aumentando o contingente carcerário e violando o princípio da reinserção social dos condenados, uma das finalidades da existência da execução da pena.

Se em 2020 a população carcerária brasileira era de 680 mil presos, em dezembro de 2023 pouco mais de 838 mil reclusos já estavam recolhidos nos presídios brasileiros, muito mais em decorrência das alterações realizadas pela Lei nº 13.964/2019.

Finalmente, com a Lei nº 14.843, de 11.04.2024, o exame criminológico voltou a ser pressuposto essencial para a obtenção da progressão de regime, impedindo, ainda mais, que muitos condenados façam jus ao benefício, o que certamente em muito contribuirá para um aumento acentuado do contingente carcerários, impossibilitando que o ex-condenado tenha um retorno saudável à vida social, após o cumprimento da pena.

Mundialmente, a progressão de regime é um forte aliado para a recuperação social do infrator da lei penal, ademais, onde não existe a pena de morte e nem a prisão perpétua, cedo ou tarde, o delinquente voltará ao convívio social.

Cabe não esquecer as sábias palavras de Alvino de Sá: “hoje o preso está contido, amanhã estará contigo”. Pensem nisso.

Adeildo Nunes, Juiz de Direito Aposentado, Professor da Pós-Graduação da Faculdade Damas do Recife e do Instituto dos Magistrados do Nordeste, Doutor e Mestre em Direito de Execução Penal

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