Uma data (sobretudo) para reflexão
"Assim como o homem civilizado é o melhor de todos os animais, aquele que não conhece a justiça e as leis é o pior de todos". Viva o Estatuto da OAB.

No dia 4 de julho que se aproxima, o calendário civil marcará o trigésimo aniversário de uma das mais importantes e caras leis pós-Constituição de 1988, que, por sua vez, enterrou, sem efemérides, os vinte e um anos de ditadura que a Nação atravessou entre 1964 e 1985. Falo da Lei nº 8.906, também conhecida como Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil.
Em tempos de polarização ideológica, a segmentar-nos em blocos de torcidas que, não à toa, falham miseravelmente em estabelecer qualquer avenida possível de diálogo em torno de uma coexistência civilizada, os 30 anos da Lei 8.906 ganham tonalidade especial, histórica sem dúvida, mas transcendente desse enfoque.
Afinal, habita no artigo 44 desse normativo tão pouco conhecido pela própria classe, através dos dois incisos que o preenchem de conteúdo, a premissa central de que a OAB é mais do que uma representação cartorária, que organiza uma profissão e luta por suas prerrogativas, pouco importa a quem isso venha a desagradar.
Daí porque a OAB não é tecnicamente falando autarquia, nem fundação, nem OSCIP, mas pessoa jurídica sui generis, diferenciada em razão das atribuições que carrega, conforme há anos assentado pelo STF, que em julgamentos ulteriores consignou, ainda: (1) a constitucionalidade do Exame de Ordem; (2) a natureza não tributária das anuidades que são a fonte de custeio da entidade; e (3) a sua desvinculação em relação ao controle do Tribunal de Contas.
Logo, o inscrito nos quadros da OAB - inclusive como estagiário - que nela enxerga papel apenas burocrático, não somente não compreendeu para o que ela serve, como esvazia de credibilidade o próprio juramento que prestou ao ingressar na advocacia, o qual permeia o artigo 20 do Regulamento Geral do normativo. Não é, na sua plenitude, advogado verdadeiramente.
A Lei 8.906 bebe diretamente na fonte da Constituição Cidadã ao fixar que a OAB tem como missões primeiras a promoção da defesa do Estado Democrático de Direito e dos direitos humanos, o que, de per si, justifica a inserção da entidade em pautas antidiscriminatórias e antiviolência. Por igual, confere legitimidade para que a voz da OAB se faça ouvir no enfrentamento à corrupção, à desinformação ("fake news") e no repúdio ao golpismo, com a sua expressão de compromisso na alternância de poder mediante eleições livres, reafirmando a confiança na seriedade da urna eletrônica e no trabalho da Justiça Eleitoral.
Quando forças poderosas se queixam da OAB, inclusive algumas corporações, via de regra é uma reação sintomática de que a instituição cumpre bem o seu papel questionador e de zeladoria, inclusive, da boa aplicação das leis. Quando insiste a entidade no Exame de Ordem, o faz com o mesmo ânimo de quem apóia a obrigatoriedade do concurso público.
Quando veta a inscrição de determinados cargos estatais, a OAB age no interesse público, não pensando na própria arrecadação. Quando insiste no
respeito à sustentação oral em qualquer julgamento, o faz porque é nesse momento em que, olhando nos olhos, a defesa melhor se comunica com o Estado-Juiz. Quando aborda o tema da superlotação carcerária, a OAB não é uma estranha no ninho.
Quando denuncia a letalidade dos números da violência LGBTQIA e de gênero ou contra a infância e adolescência ou contra os socialmente vulneráveis, e cobra providências, concretiza e alcança sua natureza plural, republicana, grafada no art. 44 já mencionado. Quando sustenta a necessidade de uma sociedade paritária, e transpõe essa necessidade à sua legislação administrativa, mostra que sabe dar o bom exemplo.
A Lei 8.906 não somente contém direitos, nem se satisfaz em estipulações genéricas ou pirotecnias, caprichando no palavreado bonito do discurso que nada produz na prática. Ela é uma lei sobretudo principiológica, a agir como age o farol para os navegantes ou a torre de comando aéreo para os pilotos nos céus. Converte-se na Bíblia dos advogados, motivo pelo qual conhecê-la é um dever, não uma escolha, nem um favor.
Concluo citando Aristóteles: "Assim como o homem civilizado é o melhor de todos os animais, aquele que não conhece a justiça e as leis é o pior de todos". Viva o Estatuto da OAB.
Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado