O STF, a questão das drogas e o critério da falta de critérios
A descriminalização do porte para uso pessoal pela Suprema Corte equivale a retirar o usuário da esfera penal, não a legalizar comércio...
Disse Peter Drucker: "As únicas coisas que evoluem por vontade própria em uma organização são a desordem, o atrito e o mau desempenho". Quando se faz ouvir pela população em temas sensíveis à luz da Constituição, o STF promove o percurso evolutivo para o bem, não para a autossabotagem. Age não por iniciativa própria e sim mediante provocação. Provocação, completo, a preencher lacunas. Todo bom aluno de Direito sabe: por natureza, a jurisdição é inerte.
Em momentos dessa dimensão, a Corte carrega consigo a mensagem da previsibilidade. Assim para proteger os alicerces da democracia no contexto dos imperdoáveis (e inanistiáveis) eventos que culminaram no 8/1/2023, como, ainda, no combate à pandemia da COVID-19 e à urgência de medidas de isolamento social por Estados e Municípios versus a falsa dicotomia entre salvar vidas e arruinar a economia.
As críticas dos insatisfeitos com o trabalho do Tribunal são, quase sempre, na linha de que a Corte, em peso, sofre da mania de querer aparecer e meter a colher em tudo. O ativismo judicial enquanto fenômeno, porém, não decorre de forma automática de qualquer "rulling" do qual se discorde, nem há paralelismo possível entre ele e a judicialização da política. Ambos são espécies do mesmo gênero, mas não sinônimos. A judicialização da política advém da necessidade de o Judiciário agir frente à deficiência dos demais Poderes. O ativismo em alusão é uma extrapolação na relação entre os Poderes. Não existe similitude.
Ao continuar na análise de recurso extraordinário com repercussão geral admitida (RE 635.659; Tema 506) manejado pela Defensoria Pública de São Paulo, o STF enfrentou, dia desses, a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas (11.343/2006). O texto do dispositivo não distingue usuário e traficante. Prevê penas como advertência, prestação de serviços comunitários e medidas educativas aos usuários, daí porque os criminaliza. Dada a omissão do Legislativo a respeito, devia o Supremo silenciar, uma vez instado?
A descriminalização do porte para uso pessoal - maioria já formada na Corte Suprema - equivale a retirar o usuário da esfera penal, não a legalizar o comércio, nem a consentir com a produção de drogas outras como o cigarro, o álcool e os medicamentos. A tese de que incriminar o porte, ainda que para uso pessoal, é eliminar riscos à saúde pública, impõe um "salto triplo carpado" hermenêutico sobre a lei para concretizar vontade que o Estado, ao redigi-la, não buscou. Afinal, se para privar da liberdade, uma conduta precisa produzir lesão a terceiro, no uso pessoal de droga, vítima e autor são a mesma pessoa. Ilógico - a não mais ser possível - criminalizar.
O STF conferiu segurança jurídica pela primeira vez à Lei de Drogas, adequando-a à Constituição ao definir que o porte de drogas é infração administrativa e não delito penal. Há tempos juízes e autoridades policiais são obrigados a deliberar, subjetivamente, se o cidadão flagrado com maconha responde por tráfico ou não. O Tribunal não legislou, ele exerceu controle de constitucionalidade ante o desinteresse e a demora do Congresso.
Bem resume Pedro Serrano (Conjur, 25/6/2024): "Não tem sentido existir o STF se não for para defender os direitos fundamentais em uma situação como essa".
Ser simples usuário e receber do Estado aprisionamento, encerra, sim, solução inconstitucional. De mais a mais, a sociedade conhece o que é o sistema prisional. O STF infundiu critérios a uma realidade desassistida deles. O que se necessita é de uma política antidrogas que não seja uma guerra contra negros, jovens e periféricos, não de uma queda de braço entre Poderes. O que tem o Congresso a dizer diante disso? Que o problema é o STF?
Escreveu Antônio Augusto de Queiroz (Conjur, 21/6/2024): "Em uma sociedade onde a polarização e a influência dos meios de comunicação e das redes sociais podem distorcer rapidamente a percepção pública e influenciar decisões majoritárias, o papel do STF como guardião da Constituição e protetor dos direitos individuais é vital". Pois é do que se trata, não de uma briga de vizinhos dessas de programa de auditório de quinta categoria. Despertemos.
Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado