Um sapateiro competente e honesto
Na década de 50, a Barbearia Iemanjá lotava e regurgitava de jogadores de futebol, na Rua do Aragão, ao lado do Hotel São Domingos...

Eram jogadores do Sport, Náutico, Santa Cruz e América. Fui levado lá por Odilon Maroja, beque central do nosso time juvenil, bicampeão invicto do Leão da Ilha (54/55). E fiquei freguês de um barbeiro chamado Machado. Foi o melhor barbeiro que conheci. Depois ele foi pra uma barbearia estabelecida na Rua Nova, na loja onde funcionava a Quatro e Quatrocentos, cujo teto desabou, matando 2 ou 3 barbeiros - e ele escapou ileso, talvez escondido numa gaveta, de tão mirradinho, e nunca mais o vi.
Tempos depois, escrevi uma crônica no D.P, intitulada "Onde anda Machado?", e, pra minha surpresa, recebi uma carta dele. Afirmava estar muito bem em São Paulo, onde tinha comprado um salão de beleza. Quando eu fosse lá, dizia, me hospedaria em sua casa. Já neste vibrante hebdomadário, publiquei um artigo garantindo que meu barbeiro Divaldes, estabelecido no térreo do Edifício São Cristóvão, bairro da Boa Vista, é o maior barbeiro da América do Sul. Bastou isso pra seus clientes perguntarem quanto ele me pagou pra fazer sua "propaganda." A verdade é que nem desconto no corte ele me dá.
Quando morava em Olinda, só engraxava os sapatos com Biu, no abrigo do Varadouro. Ele era alcoólatra, lutava pra deixar o vício, há vinte anos não bebia e estava superando a cana no lugar que servia bebida de todo tipo. E sabia da vida dos "bêbo" e "papudinhos" da Marim dos Caetés, e me contava casos engraçados deles. "Toda semana morre um, doutor!" Um dia, publiquei uma matéria nesta Folha, dizendo ser ele o melhor engraxate de Pernambuco. O gaiato vereador Pirrita, que se dizia seu amigo, teve o desplante de perguntar quanto ele me pagou pra "dizer uma besteira dessa", porque no Mercado da Madalena "tem um velhinho melhor do que você."
O sapateiro Fábio da Silva Lima, 43 anos de idade, trabalha consertando e engraxando sapatos há 28 anos, no boxe 160 do Mercado da Encruzilhada, de segunda a sábado. Um dia, ele botou sola, pintou e engraxou meus sapatos pretos. Quando Tayza Oliveira foi buscar os sapatos, ele disse: "A senhora não pode levar agora porque empoeirou e só entrego sapato quando está tinindo." Além de competente, Fábio é honesto e zela pela profissão. Minha mãe dizia ser melhor um sapateiro bom do que um médico, advogado ou engenheiro desleixado.
Arthur Carvalho , da Academia Olindense de Letras - AOL