Quem não tem fins, caça com os meios!

O problema, para mim, é compreender o complexíssimo fenômeno educativo como apenas e tão somente sendo "um problema de gestão".....

Publicado em 09/07/2024 às 0:00 | Atualizado em 09/07/2024 às 10:29

Longe de mim qualquer forma de provincianismo intelectual ou bairrismo pedagógico, mas parece que a última novidade na política local é importar gestores! Pessoalmente não tenho grandes dificuldades com “importações” (e até faço uso de uma plataforma de compras chinesa muito conhecida!). Mas essa plataforma nunca me ofereceu (para importar) um Secretário para administrar a Educação do Estado de Pernambuco, como acaba de fazer Dona Raquel, trazendo de São Paulo o Sr. Alexandre Schneider, cuja gestão já inicia com a entrega de mais de 200 ônibus escolares, e promete muito mais: apoio aos projetos de alfabetização, creches, pagamento do FUNDEF, ampliação do tempo das crianças no ensino fundamental... E por falar em “importação’, lembrem que “nosso” Paulo Freire também foi “importado” pela Secretaria de Educação de São Paulo, à época de Erundina, o que muito nos orgulhou! Assim, não tenho nada contra o Sr. Schneider -que não conheço-, mas acho que precisamos rediscutir aquilo que, em outros tempos, chamávamos de QUALIDADE DA EDUCAÇÃO PÚBLICA. E vou logo avisando: podem me acusar de “conservador”, mas, antes digam-me em nome de qual “progressivismo” eu estou sendo acusado.

O problema, para mim, é compreender o complexíssimo fenômeno educativo como sendo “um problema de gestão” e, a partir daí, imaginar que basta um “bom gestor’ e o resto se fará na própria dinâmica gestionária. Ou na sua inércia!
Toda educação parte da discussão fundamental sobre os predicados subjetivos que uma sociedade pretende atribuir àqueles que estão chegando no Mundo e precisam conhecer uma cultura e uma herança institucional na qual foram introduzidos sem suas aquiescências ou consulta prévia! O educador exerce uma ação de mediação entre o MUNDO, os OUTROS, o PASSADO, o FUTURO e o EU educando. E faz uma “aposta” (nada a ver com as ‘Bets’ de Lucas Paquetá!): a de que certos atributos, certos predicados subjetivos serão necessários para, ao mesmo tempo, nos “aproximar” do Mundo (conhecê-lo) e nos “distanciar” dele (criticá-lo). É nisso que consiste o conceito de CONTEMPORANEIDADE (Agaben): o estar no seu tempo e de ir contra o seu tempo, sem o quê, não poderemos mais falar de transformação social. Educar é também fornecer os critérios com os quais julgamos o valor substantivo daquelas “aproximações” e “distanciamentos”: a educação é “uma finalidade sem fim!”, como dizia Phillipe Meurieu, educador francês.
Ora, a gestão é sempre gestão dos meios (ônibus, ar condicionado, creches, tempo integral...), e eu não vejo nunca uma discussão mais profunda, entre educadores e gestores, sobre os FINS - que não se resumem a “objetivos disciplinares” ou “avaliações internacionais” (em que, aliás, abdicamos de nossa soberania docimológica) ou “resultados de aprendizagem”: como se o GESTOR não precisasse entender de educação e o EDUCADOR fosse sempre um incompetente para gerir!
O fato é que, ao negligenciarmos os aspectos da atribuição de predicados subjetivos (criticidade, consciência social, competência judicativa, linguística, proposicional, decisória e técnica) -predicados republicanos e democráticos- ficamos vulneráveis às injunções do Mundo, no caso, do mercado, como se não houvesse nenhuma influência externa, hegemônica e de manipulação da decisão e das escolha, ideia que está presente nos “itinerários formativos” (NEM), que supõem que nossos jovens sabem escolher, com precoce consciência decisória, seus destinos profissionais.
Assim, é curioso (mas típico de nossa época) que as Universidades, os movimentos sociais, as entidades de classe, os grupos de pesquisa... não sejam mais convidados a pensar, definir fins e gerir os nossos sistemas de ensino. Eu, sinceramente, lamento não ter mais visto, depois de tanto tempo – e especialmente depois das políticas “i-food” (essa mesma, de “entregas”!) - nomes do quilate dos João Francisco de Souza, Silke Weber, Edla Soares, Maria Luiza Aléssio, Anita Paes Barreto, Maria José Baltar, Aída Monteiro, Germano Coelho..., que marcaram com suas intervenções, gestões e tirocínio pedagógico, suas passagens pela educação pernambucana, como pensadores e como gestores, repito.
Minha observação, pois, não se dirige ao gestor, mas à IDEOLOGIA GESTIONÁRIA, que é outra coisa: toda ideologia “inverte” o real; o Gestionarismo, como ideologia, inverte a relação MEIO/FINS: é pura razão instrumental!
Finalizo, desejando ao Sr. Schneider, uma boa... gestão! E que ele tenha os MEIOS necessários para alcançar os FINS (que eu desconheço quais são!).

Flávio Brayner , professor emérito da UFPE e visitante da UFRPE

 

 

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