Os 40 anos da Lei de Execução Penal (final)

A desumanização das prisões relega direitos a segundo plano. Além da perda da liberdade, o detento brasileiro é um ser despido da dignidade humana.

Publicado em 25/07/2024 às 0:00 | Atualizado em 25/07/2024 às 11:28

Quando a Lei Federal nº 7.210, de 11.07.1984 foi publicada, de logo denominada de Lei de Execução Penal (LEP), parte dos criminalistas brasileiros elogiaram o texto, mas outros tantos ficaram frustrados, porque imaginavam a aprovação de um Código de Execução Penal e não uma simples lei ordinária mista, que deixou de regular, por exemplo, sobre normas gerais de natureza processual. O legislador de 1984 optou por disciplinar regras mínimas para a execução da pena, deixando de lado matérias essenciais para o seu aprimoramento. Antes da Lei 7.210/84, é verdade, o Código de Processo Penal de 1941 havia contido em seus dispositivos um capítulo destinado à execução da pena, ainda hoje vigente, mas o fez em pequena dimensão, sem esgotar o assunto. Diz-se, por isso, que de há muito o Brasil precisa aprovar um Código de Execução Penal e um Código de Processo de Execução, considerando que a Lei de Execução Penal de 1984, embora reconhecida como um marco que definitivamente consagrou a autonomia do Direito de Execução Penal, bem que poderia ter aproveitado a grande oportunidade oferecida, por conseguinte dotando o País de duas normas codificadas, o que infelizmente não aconteceu.

Porém, mesmo lamentando aquela omissão legislativa, a Lei de Execução Penal aprovada em 1984 trouxe importantes institutos e regras que deram novos rumos à execução da pena, mormente quando definiu em seu art. 1º que uma das suas finalidades é a integração social do condenado. Nesse sentido, vale lembrar que a LEP jamais pretendeu ressocializar os apenados, como muita gente imagina. Ressocializar é socializar novamente. Qual o perfil sociais dos que ingressam em nosso sistema prisional? Comumente são pessoas entre 18 e 24 anos de idade, quase sempre analfabetos, sem profissão definida, desempregadas e sem família constituída. É fácil decifrar que em sua imensa maioria esses detentos jamais foram socializados. Bem por isso, a Lei de Execução Penal tem como pressuposto essencial a integração social desses dessocializados.

A portuguesa Anabela Miranda Rodrigues, de há muito prega que a ressocialização dos criminosos seria o necessário para conter a criminalidade e a população carcerária, mas, ao contrário, em sua visão, as prisões têm levado os que lá chegam ao fenômeno da dessocialização. Antes de ser preso, é comum o recluso levar para a cadeia algum tipo de profissão - pedreiro, por exemplo - mas, com pouco tempo de restrição da sua liberdade, o detento perde esta qualificação, já que o sistema penitenciário não oferece as mínimas condições para que o recluso permaneça desenvolvendo sua qualificação profissional. Em síntese, neste caso, o Estado comumente contribui para a dessocialização do detento, quando deveria socializá-lo.

Para a integração social do apenado, portanto, seria imprescindível que dentro da prisão houvesse trabalho prisional suficiente, com remuneração, escolas, preocupação com a reaproximação familiar, tratamento para os drogados e, acima de tudo, fortes investimentos em recursos humanos, criação de vagas e, principalmente, a contratação de agentes de segurança e de profissionais médicos, psicólogos e assistentes sociais. Sem isso, jamais haveremos de reduzir a violência e crescendo a nossa população carcerária.

Outra finalidade da execução da pena está na premente necessidade de efetivar a sentença penal condenatória, seja em relação à pena privativa de liberdade, multa ou restrição de direitos. Como era de se esperar, a Lei de Execução Penal demonstrou enorme preocupação com a restrição da liberdade, até porque quando da sua aprovação praticamente não existiam as sanções alternativas à prisão. O que se sabe é que, na atualidade, mais de 250 mil mandados de prisão estão aguardando cumprimento, em relação às inúmeras condenações que não estão sendo efetivadas, face a não localização dos infratores. A impunidade, no Brasil, como se nota, começa pela ausência generalizada das investigações criminais, pela inexistência do processo penal e pela falta de cumprimento da pena por pessoas condenadas em definitivo pela Justiça, no mais das vezes pela prática de crimes graves.

A Lei de Execução de 1984, todavia, pela primeira vez na história brasileira elencou um conjunto de direitos destinados aos encarcerados, geralmente despercebidos e não cumpridos, outro fator que dificulta e evita a integração social dos infratores da lei penal, motivando, ademais, frequente reincidência criminal. O pleno exercício do direito ao trabalho, à saúde, à educação, à assistência social e jurídica, são utopias legislativas que enfraquecem a humanização das penas e violam frontalmente a Constituição da República e as nossas leis infraconstitucionais. Presos, na visão do Texto Maior, da LEP e das várias leis estaduais, são sujeitos de direito e de obrigação, mas, a desumanização das prisões relega esses direitos a segundo plano. Além da perda da liberdade, o detento brasileiro é um ser despido da dignidade humana.

Entre 24 e 27/07, em Cuiabá-MT, está havendo o XI Encontro Nacional de Execução Penal.

Adeildo Nunes, juiz de Direito aposentado, membro efetivo do Instituto Brasileiro de Execução Penal - IBEP, doutor e mestre em Direito de Execução Penal.

 

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