Harmonia e independência
Todos sabemos que os Três Poderes da República (Legislativo, Executivo e Judiciário) são harmônicos e independentes entre si (art. 2º, CF/1988).
Esta harmonia, entretanto, não impede a interferência legítima de um Poder sobre o outro, nos limites autorizados constitucionalmente. É o que acontece, por exemplo, quando o Congresso Nacional (Poder Legislativo) fiscaliza os atos do Poder Executivo (art. 49, X, CF/88). É assim, também, quando a Constituição autoriza o presidente da República a legislar mediante Medidas Provisórias e Decretos com força de Lei. Ao Poder Legislativo - formado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal - cabe a elaboração de emendas à Constituição, de Leis Complementares, Ordinárias, Delegadas, Resoluções e Decretos Legislativos e, por fim, apreciar e votar as medidas provisórias editadas pelo Presidente da República, que têm um tempo de validade. As emendas à Constituição dependem da votação e aprovação de pelo menos 2/3 (dois terços) dos membros de cada Casa Legislativa, em dois turnos de votação, enquanda as Leis Complementares servem para complementar regras constitucionais já existentes, exigida a maioria absoluta dos seus membros. As Leis Ordinárias são as mais votadas e aprovadas no Parlamento, porque dependem do voto da maioria simples dos membros das suas Casas. Quanto às Leis Delegadas, elas são elaboradas pelo Presidente da República, desde que haja prévia autorização pelo Congresso Nacional.
Os Decretos Legislativos e as Resoluções, muito pouco utilizadas, por vez, são instrumentos normativos que são analisados e aprovados pelas duas Casas. A tradicional doutrina faz a diferença entre os dois instrumentos normativos: a principal está no fato de que enquanto as Resoluções são utilizadas para normatizar matérias que produzem efeitos internos às Casas Legislativas, os Decretos são aprovados para normatizar matérias que produzem efeitos externos ao Congresso Nacional. O Supremo Tribunal Federal, que é o Guardião da Constituição e só age por provocação dos interessados, outrossim, tem poderes constitucionais para legislar sobre o seu Regimento Interno. Assim, o Poder Executivo e o Judiciário fazem às vezes do legislativo, uma vez que estão autorizados pela Constituição para assim agirem.
Contudo, seguindo os ensinamentos de Montesquieu, primordialmente, cabe ao Legislativo elaborar as leis, ao Executivo executá-las e ao Judiciário, se provocado no devido processo legal, por maioria de votos dos seus 11 (onze) ministros, decidir, em última instância, se as normas aprovadas ou submetidas à votação pelo Parlamento estão ou não de acordo com o Texto Constitucional. Os Poderes Legislativo e Judiciário, bem por isso, não podem emitir uma Medida Provisória, porque esta prerrogativa constitucional é exclusiva do Presidente da Repúpublica. O Congresso Nacional não tem autorização constitucional para decidir, no devido processo judicial, nem pode revogar qualquer decisão adotada pelo Supremo Tribunal Federal ou qualquer outro òrgão vinculado ao Poder Judiciário, sob pena de grave violação a independência do Poder Judiciário e ao Estado Democrático de Direito.
Mesmo que o Congresso Nacional aprove uma emenda Constitucional proibindo a concessão de medidas liminares por parte de algum ministro do STF ou adote autorização para que o Parlamento reanalize, e até modifique, qualquer decisão soberana do STF, ninguém duvida que além de se tratar de uma revanche contra mais Alta Corte do País, certamente a classe jurídica nacional não ficará calada diante de tamanha intromissão na independência do Poder Judiciário. A decisão liminar recente do ministro Flávio Dino, referendada por uninamidade pelos demais membros da Corte Constitucional, ordenando a transparência e o rastreamento das verbas destinadas às emendas parlamentares, sem destino certo e sem a certeza absoluta do uso regular do dinheiro público, consolida a paz social e combate a corrupção.
A decisão soberana do STF, que sugere remendar as propostas de distribuição de verbas públicas, pelos parlamentares, não pode servir de represália por parte do Parlamento e nem dos malfeitores da Lei, como argumento capaz de ferir a Democracia, que aliás foi recriada através de decisões judiciais tomadas entre 2018 a 2022, pelo STF. Queiram ou não os defenderam e ainda hoje são abnegados e frustados pela tentativa de golpe de 08.01.2023, não fosse o plenário do Supremo Tribunal Federal - que analisou todas as decisões liminares do ministro Alexandre de Moraes - certamente o Brasil estaria entregue a quem não foi eleito pelo voto popular. Prefirimos a discordia institucional, com a harmonia e independência, que o silêncio dos que nos fariam se calar.
Adeildo Nunes, juiz de Direito Aposentado, professor e coordenador do curso de pós-graduação em Ciências Criminais da Faculdade Damas do Recife, doutor e mestre em Direito de Execução Penal.