Darwin e as eleições
O Brasil está com as eleições ingressando em nossas casas. Em 2024 os ingredientes medo, mentira e persuasão serão os condimentos da receita
Todo sistema democrático tende a revelar, a certa altura, vícios e sinais de deterioração ou envelhecimento. Com efeito, as democracias são preciosas obras de arte apenas quando estão no papel. A prática aponta uma outra realidade.
Um dos predicados dos sistemas democráticos atuais é a relevância dos partidos políticos no Estado Democrático de Direito São eles que concorrem para manifestação da suposta vontade popular. E são os fenômenos de dominação e medo que podem conduzir a degenerescências graves nessas entidades, designadamente durante o período eleitoral: o culto do chefe ou clientelismo, a dinastia familiar, o populismo, a má aplicação do pluripartidarismo, a desilusão dos eleitores, o abuso ou exagero da mentira política, os tipos de liderança, a persuasão, a teatralidade política e até mesmo a inteligência artificial.
Usando as palavras de Jean-Jacques Courtine, talvez as agremiações brasileiras acatem a ideia de que o povo detém o “justo privilégio ou “direito inalienável à mentira” política. Por isso, os partidos políticos – afirma o autor - nasceram com a finalidade de geração de políticos mentirosos e conversão da mentira em algo mandatório onde os interesses individuais têm primazia sobre os interesses do povo. Um exemplo atual é a aprovação, com o beneplácito de praticamente todos os partidos e em tempo recorde, da PEC da anistia aos partidos políticos. A decisão vem apontando para mais uma zona desprezível da vida partidária.
Outra questão de interesse dos partidos políticos é a necessidade de energização da publicidade para aperfeiçoar a capacidade de entendimento do povo. Há decisões que são tomadas no backstage ou coxia, e na escuridão da noite, sem conhecimento da sociedade. E, quando ela sabe pouco entende e se interessa. O exemplo maior é o das emendas parlamentares, designadamente a Pix.
O Brasil está com as eleições ingressando em nossas casas. Em 2024 os ingredientes medo, mentira e persuasão serão os condimentos da receita. Nesses três aspectos inclui-se o crime organizado. Existe a certeza de que alguns candidatos serão financiados pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) e pelas milícias. Quando escrevi a obra “Democracia Capturada” o texto parecia obra de ficção. Era impossível para a maioria dos leitores que o crime organizado estivesse presente para viciar ou contaminar a máquina partidária. Hoje, essa realidade é factível em qualquer unidade da federação.
Outro elemento a considerar nas próximas eleições é o tipo de liderança com capacidade para cativar ou conquistar o eleitor. Entre outros espécimes existentes, pinçamos a “liderança sedutora” praticada, supomos, pelo prefeito João Henrique Campos. A juventude do candidato permite aos eleitores aliar mudança e pujança no sistema político. Sob outro aspecto, a aparência física do político consegue manter uma relação estreita com a defesa das necessidades de mudança do sistema político.
O líder sedutor está sempre em toda parte como diria Paula do Espírito Santo. Em pé desde as primeiras horas do dia, ele não mede esforços para elevar-se em sua escala social. Grosso modo, ele descende de famílias abastadas e conservadoras e teve a oportunidade de frequentar excelentes escolas. É dotado de alegria e simplicidade e integra uma família religiosa e de bons costumes. Por isso aprecia o convívio com o povo, sem preconceitos de nenhuma espécie.
Algo importante nesse tipo de liderança, é a inteligência perspicaz e atilada para a “esgrima verbal”. Ressalte-se que o presidente Biden perdeu a batalha com Trump porque tal aptidão do democrata se esvaneceu durante a disputa. Diferente vem sucedendo com Kamala que também se identifica com o tipo de “liderança sedutora”.
Finalmente, vale a pena fazer referência a um novo tipo de propaganda política que recorre à imagem ou “álbum com fotos de família” que não se confunde com os famigerados santinhos. Em 1991, Basílio Horta, em Portugal, usou tal expediente na eleição para Presidente da República. Mandou imprimir o livreto “As diabruras de Basílio” que circulou pelas esquinas portuguesas. Eis uma sugestão para os partidos políticos e para os atuais candidatos. Salvo engano, alguns jornais publicaram, recentemente, a história do Prefeito do Recife por ocasião dos dez anos do acidente de aviação que matou o ex-governador Eduardo Campos. O texto revelava o sorriso encantador do Prefeito e a sua biografia.
Finalmente, não se deve esquecer um tema assunto muito explorado pelos meios de comunicação: os relatórios do ministro do STF Alexandre de Morais. O senador Sérgio Moro, que continua a ser acusado de haver criado um partido formado por juízes e procuradores, vem recebendo uma comparação curiosa do jornalista Demétrio Magnoli: “Moro salvou-nos da praga da corrupção! Moraes resgatou a pátria do abismo golpista!”
No meu caso, fico mesmo com Darwin e “A origem das espécies”: não é o mais forte e inteligente que sobrevive, mas aquele que se adapta melhor às circunstâncias presentes.
Dayse de Vasconcelos Mayer é doutora em direito e ciência política pela Universidade de Lisboa e ex-docente da mesma instituição.