Elon Musk vai ter que cumprir

O não acatamento de uma ordem judicial, no sistema democrático de governo, importa em grave violação ao Estado Democrático de Direito

Publicado em 05/09/2024 às 5:00

Ninguém é obrigado a concordar com as decisões emanadas dos juízes e dos demais membros que compõem o Poder Judiciário; mas todos somos obrigados a cumpri-las. O não acatamento de uma ordem judicial, no sistema democrático de governo, importa em grave violação ao Estado Democrático de Direito e às prerrogativas constitucionais outorgadas aos seus magistrados. Qualquer discordância quanto ao teor da decisão judicial, como estabelece a Constituição brasileira e as suas leis processuais, deve ser manifestada através de um recurso apropriado, onde a parte insatisfeita pode e deve pedir a reforma da decisão proferida, num todo ou em parte. Porém, ninguém pode deixar de cumpri-la.

Se o fizer, certamente as consequências dessa conduta reprovável podem ser drásticas, ao ponto de cercear a liberdade daquele que deixar de fazer ou de deixar de fazer alguma coisa determinada na ordem judicial, por mais que ela seja equivocada. Somente uma nova decisão de um órgão judiciário superior, e somente ela, tem o poder de revogar uma decisão adotada pelos órgãos hierarquicamente inferiores. No nazifascismo não era assim. Como se sabe, nas autocracias o ditador decidia, e ainda hoje decide, sem que ninguém conteste a decisão da autoridade que detém a supremacia do Poder absoluto.

Bem por isso, a Constituição brasileira de 1988 consagra o livre direito de o insatisfeito se amparar na via recursal, manifestando a sua discordância da decisão, ademais a Carta Magna brasileira assegura a todos, pessoas físicas ou jurídicas, o direito ao uso do princípio do duplo grau de jurisdição, justamente para oportunizar ao insatisfeito o direito de pleitear a sua modificação. É comum nas hostes judiciais a modificação de decisões judiciais, pois elas são prolatadas por seres humanos que às vezes vão de encontro à jurisprudência dos nossos tribunais, da doutrina dominante e dos princípios gerais do Direito, fontes que os estudiosos das Ciências Jurídicas têm acesso nos livros de Miguel Reale e na cadeira de Introdução ao Estudo do Direito, tão bem lecionada, hoje, por João Maurício Adeodato e, no passado, pelos professores Eraldo Almeida e Armando da Costa Carvalho.

Nos meus 27 (vinte e sete) anos como juiz de Direito em Pernambuco, meu temor maior sempre foi, e sempre será, de alguém – rico ou pobre – descumprir uma ordem judicial por mim exarada, no devido processo legal, porque a missão primordial de um magistrado é decidir, com base na prova, os destinos de um processo que chega às suas mãos. Psicologicamente, a atitude injustificável por um eventual descobrimento de uma ordem judicial, afeta o compromisso do magistrado assumido em sua posse e, acima de tudo, desvirtua o seu poder decisório que advém da Constituição e das Leis.

A verdade é que o Estado Democrático de Direito não convive com a desobediência prepotente às ordens judiciais. Quem o faz, obrigatoriamente, há de sofrer as consequências erigidas da Constituição e das Leis que regem qualquer País. Não importa o poderio econômico do descumpridor: aqui, no Brasil, descumpriu ordem judicial pode ir para a cadeia, o que parece prestes a acontecer.

O senhor Elon Musk, com o seu poder financeiro, achava que o Brasil iria se submeter às suas ideologias extremistas e iria esquecer a luta dos brasileiros em defesa da democracia e dos seus valores institucionais. Bastou o 08 de janeiro de 2023, que estremeceu a democracia brasileira e tentou destroçar, sem sucesso, a sublime ventura da liberdade, que felizmente ressurgiu pela força do povo brasileiro.

É esperada uma decisão do Supremo Tribunal de Federal que reprima a conduta desonrada e desprezível desse magnata que pretende desconfigurar a soberania do Brasil e dos seus filhos, que tanto lutaram para ver uma Nação independente e que têm a firmeza necessária para sobrepujar o ódio e a fortuna dos que pretendem macular os destinos de um povo que sobrevive com a pobreza, mas que não abre mão dos seus ideais democráticos que, aliás, não são destemidos pela força do dinheiro, muitas vezes alcançada com o suor dos brasileiros nas tardes de relentos e nas escarças sombras do juazeiro e do sol ardente.

A riqueza do homem, certamente, não está no seu poder econômico, mas sim nas suas atitudes civilizadas, que exigem o cumprimento fiel das decisões judiciais emanadas de quem tem o poder de fazê-las, sejam elas favoráveis ou contrárias aos seus interesses políticos e monetários. O poder financeiro ou político, com evidência, jamais será maior que a força de uma ordem judicial, muito mais enquanto a Democracia existir e os alicerces do poder estejam nas mãos dos que têm autorização constitucional para efetivá-las, independentemente dos que detêm o poderio financeiro, político ou econômico, que temporariamente dominam as redes sociais, mas que não manobram os pilares da Democracia.


Adeildo Nunes, juiz de Direito aposentado, professor e coordenador do curso de pós-graduação da Faculdade Vale do Pajeú, mestre e doutor em Direito de Execução Penal.

Tags

Autor