Por um bem maior (Xô, X!)
Salta aos olhos, por exemplo, a urgente necessidade de regulação das redes sociais, uma vez que a atuação da Corte Excelsa tem funcionado no limbo
Não é que os fins justificam os meios. O ordenamento constitucional brasileiro contém princípios que respaldam a atuação do Supremo contra o X
Seria extremamente limitado ver o embate entre o SUPREMO e o X, unicamente, sob uma ótica estritamente legalista. É claro que os grandes temas relativos às liberdades individuais, sobretudo a de expressão, devem ser visitados e discutidos, porque, realmente, eles permeiam o assunto, e a sociedade precisa de esclarecimentos, quando estão em jogo os grandes princípios de convivência.
Salta aos olhos, por exemplo, a urgente necessidade de regulação das redes sociais, uma vez que a atuação da Corte Excelsa tem funcionado no limbo entre aqueles princípios e a ausência de lei reguladora dos limites da liberdade de expressão. Aliás, o Congresso tem que dizer, em primeiro lugar, se devem ou não existir limites, parecendo-me essa a questão central. Como nação, temos travado uma batalha incessante, ora abolindo a lei de imprensa (com justa razão, entulho autoritário), com o aceno de que tudo é permitido, ora condenando na justiça manifestações de toda ordem, que vão desde a apreciação depreciativa do caráter de quem não o tem até o discurso de ódio e de abolição do Estado de Direito. Onde está o equilíbrio?
A sociedade civilizada resolve esse tipo de diferenças com a promulgação de leis objetivando as condutas admissíveis e aquelas que merecem a repulsa social. Boa ou má, no estado democrático de direito, é a lei que resolve esse tipo de situação. Mas, ora bolas! Na ausência da lei (cujo projeto foi bombardeado pelo próprio Elon Musk), alguém tem que resolver a questão, e é aí que entram os princípios de convivência.
É aí que entra a política, entendida como o artefato de convivência social utilizado pelos homens e pelas instituições para preservação do espaço democrático e das mínimas condições de sobrevivência da sociedade. Aí os princípios têm que funcionar, mesmo que algumas interpretações inevitáveis apontem alguma violação legal.
Pois bem. Sabemos, porque ele o proclamou até como razão primordial da aquisição do X, que Musk utiliza a rede para defesa dos ideais de ultradireita, disfarçados como defesa da liberdade dos usuários das redes. De outro lado, temos uma luta renhida no Brasil contra esses ideais que visam à abolição do Estado de Direito, cujo arauto foi Bolsonaro, mas que resistem ainda, apesar da derrota eleitoral.
O conflito entre as big techs e governos, de mais a mais, não é privativo do Brasil, está mundialmente instalado, gerando tentativas de regulação na União Europeia (até aqui a mais bem sucedida), ameaças ao Tik Tok nos EUA, enfim, a plutocracia desenhada nessas grandes corporações avançando sobre as formas primitivas e naturais de organização da sociedade. Trata-se, não resta a menor dúvida, antes de questão jurídica, de um conflito político mundial em que grandes forças se enfrentam para dominação. O que querem dominar? Tudo. Já estamos além do simples embate de regulação econômica, de disputas legais ou responsabilização civil e penal dos ataques das redes: a nossa própria forma de organização está em jogo.
Quando uma organização estrangeira despreza a justiça brasileira, interfere na nossa política interna (inviabilizando, por exemplo, a discussão do projeto de fake news), faz prevalecer seus interesses econômicos, com extraordinária influência digital, é hora de fazermos valer toda a nossa altivez como nação, e reagir à altura, com as armas de que dispomos. E nossas armas são os princípios da Constituição, notadamente a defesa do Estado Democrático de Direito, que deve obstar, como já obstou no passado, toda tentativa de desrespeito a nossas instituições.
Podem gritar à vontade que o Ministro Alexandre de Moraes passou por cima de algumas questões formais – passou agora e no passado recente -, o bem protegido é muito maior. O banimento do X e, em última análise, a criação de barreiras para a divulgação das ideias da ultradireita, está em perfeita consonância com os princípios insculpidos nos arts. 1º, 3º e 5º da Constituição Federal.
Xô, X!
João Humberto Martorelli, advogado