Machadiana
Apaguemos a lanterna de Diógenes. Encontrei um candidato curiosamente honesto! Trata-se de um postulante a vereador no interior do Nordeste...

...Homem de certa cultura - como se verá- que se anuncia nas redes sociais com número, foto e com um inacreditável texto com os seguintes dizeres:
CARTA ABERTA AOS MEUS ELEITORES
Fui um honesto homem que tentou ser um honesto barbeiro. Por confessa incompetência, abandono o segundo propósito - após anos de vã tentativa- mas certo de que procurei, a duras penas, permanecer no primeiro. Tudo fiz para levar uma vida regrada, sóbria, prudente e, se me permitem a velharia, virtuosa. Estudei, mas não muito, casei-me com honrada mulher - embora manca- e a honrei com minha fidelidade de homem que nunca viajou, e cujo lugar de trabalho é minha própria casa (honradez por absoluta falta de oportunidade, dirá a oposição), nunca roubei, quase nunca menti, adverti meus clientes a respeito dos riscos em procurar meus serviços "profissionais", compadeci-me dos pobres, temi a Deus e não tive filhos, pois não quis passar adiante a herança de minha vida vazia. Nada ganhei, nada legarei.
Assim pensava. Assim não penso mais!
Decidi, em vista das próximas eleições, apresentar-me candidato à vereança municipal porque cheguei à conclusão, após honesta reflexão, que mais vale uma vida vivida na abundância, mesmo que de origem desonesta, que vida triste e virtuosa. De qualquer forma - e embora continue temendo as "investigações rigorosas", as "punições exemplares" e os "doa a quem doer" - conto com a memória dos homens, ou melhor, com a falta dela: em breve, já eleito, esquecerei todos e todos me esquecerão. O que me permitirá fazer a transição moral de forma serena e silenciosa.
Prometo tanta fidelidade partidária quanto aquela a que dediquei ao nome de meu antigo estabelecimento. Como meus caros eleitores se lembrarão, minha barbearia já se chamou "Estado Novo", "Bossa Nova", "Ame-a ou deixe-a", "Nova República", "A Cunhadinha", "Deus, Pátria, Família e Liberdade" e, mais recentemente, sob inspiração religiosa "No início era a Verba!", pois aprendi, lendo jornais, que mudar de opinião em função dos ventos políticos é a mais refinada Arte da vida pública.
Prometo, como todos os outros candidatos, lutar por educação de qualidade, mais segurança, melhor saúde, sem jamais dizer de onde sairá o dinheiro nem apresentar nenhum projeto consistente, pois estarei ocupado com a distribuição da verba indenizatória e de gabinete, em empregar minha honesta - e manca! - esposa, e assegurar fundos para minha reeleição.
Como veem, enfim um político honesto, que não apenas diz a que veio, mas que pretende realizar seu programa moral - e bancário- com toda transparência, desde já alertando os eleitores para o fato de que a transparência só é visível sob fundo opaco!
Lembrem-se de mim, no dia da eleição, com a mesma confiança com que esquecerei de vocês.
Até o Dia D.
(Uma honesta homenagem a Machado de Assis, no mês de aniversário de sua morte)
Flávio Brayner, professor da UFPE e UFRPE